Apostas esportivas: pendência regulatória e cenário atual
Assinada pelo então presidente Michel Temer, a lei 13.756/18 legitimou as apostas esportivas no País, prevendo que o setor seria regulamentado nos próximos dois anos, prorrogáveis por mais dois.
Tramitou no Senado o PL 3.626/23, de iniciativa do Presidente da República, com o objetivo de definir as regras gerais da regulamentação da modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa.
O PL 3.626/23 foi remetido ao exame da Comissão de Assuntos Econômico – CAE para que esta emitisse parecer acerca dos aspectos econômico e financeiro. A comissão defendeu várias alterações na proposta:
Duração de outorga
O Ministério da Fazenda poderá outorgar a autorização para exploração das apostas de quota fixa por um prazo de duração de 5 anos, e não apenas 3 anos.
Vedações aos sócios
Sócio ou acionista controlador de uma empresa operadora de loteria de apostas de quota fixa não poderá ter qualquer participação direta ou indireta em Sociedade Anônima do Futebol ou em organização esportiva profissional, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.
Valor da outorga
O valor estipulado a título de outorga fixa será limitado a, no máximo, R$ 30.000.000,00, considerado o uso de 03 marcas comerciais a serem exploradas pela pessoa jurídica em seus canais eletrônicos por ato de autorização.
Prazo para adequação
O Ministério da Fazenda concederá prazo não inferior a 6 meses, para a adequação das pessoas jurídicas que estiverem em atividade, às regras de regulamentação.
Imposto de renda sobre os prêmios
Redução da alíquota do imposto de renda da pessoa física para 15%, sendo que a apuração será anual e incidirá sobre os prêmios líquidos que excederem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF.
Importante mencionar a definição de “prêmios líquidos”: “considera-se prêmio líquido o resultado positivo auferido nas apostas de quota fixa realizadas a cada ano, após a dedução das perdas incorridas com apostas da mesma natureza”.
Destinação da arrecadação
Após a dedução dos valores destinados ao pagamento dos prêmios e imposto de renda do apostador, o saldo será destinado em no máximo 88% para cobertura de despesas de custeio e manutenção dos operadores de jogos de apostas, sendo os 12% restantes destinados à:
- 10,0% para a área de educação, conforme ato do Ministério da Educação
- 14,00% para a área da segurança pública
- 36% para a área do esporte
- 10% para a seguridade social
- 28,00% para a área do Turismo
- 1,00% ao Ministério da Saúde
- 0,50% divididos entre as seguintes entidades da sociedade civil:
- 0,20% para a Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Fenapaes);
- 0,20% para a Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi);
- 0,10% para a Cruz Vermelha Brasileira.
- 0,50% para o Fundo para Aparelhamento e operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol).
Por fim, importante mencionar algumas emendas não acolhidas no parecer:
Em aparente contrariedade ao princípio da liberdade de expressão comercial, a Emenda nº 1-U pretendia alterar o art. 16 do PL 3626/23, e a lei 13.675/18, para “vedar a veiculação, em qualquer meio de comunicação, de ações de comunicação, publicidade e marketing que promovam a loteria de apostas de quota fixa”, sob a justificativa de que tal regra “vem sendo reiteradamente desrespeitada pelas empresas exploradoras dessa modalidade lotérica”, bem como em razão de suposta “mudança súbita do perfil de apostadores, passando a ser composto majoritariamente de jovens, que têm ao seu alcance, 24 horas por dia, com apenas um clique, a possibilidade de realizar apostas sem barreira alguma ao comportamento impulsivo”.
Sabe-se que a publicidade é vital para existência de uma atividade comercial, sendo praticamente impossível que se mantenha a saúde financeira de uma empresa sem investimento em propaganda.
A contradição é evidente: por um lado, a pretensão é arrecadar milhões a título de tributos através da regulamentação para investimento na sociedade, por outro, pretende-se impedir a veiculação de propaganda, meio fundamental para divulgação de produtos e consequente obtenção de lucro.
O alegado descumprimento das normas não pode servir como base para proibição, sendo a fiscalização o único remédio para o desrespeito à legislação.
Além disso, existem mecanismos tecnológicos para proteção de crianças e adolescentes, como por exemplo, a integração das plataformas de apostas com aplicativos que validam os dados de cadastro, impedindo a realização de apostas por menores de 18 anos.
Outra sugestão que poderia ferir frontalmente o princípio da isonomia é a pretensão trazida pela Emenda nº 12-U de vedar a participação em apostas esportivas de pessoas formalmente inadimplentes. Sendo as apostas de quota fixa modalidade de loteria e, não havendo tal restrição nas demais modalidades Lotéricas, não se confere tratamento isonômico ao aplicar tal restrição somente em relação a uma modalidade.
Medidas para conter o endividamento dos apostadores já foram observadas pelo texto legal como a vedação à utilização de cartão de crédito para pagamento de apostas ou concessão de crédito pelo apostador.
Votação em 12 de dezembro de 2023
Discussão em turno único, a sessão fora conduzida pelo Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e pelo 2º Secretário do Senado, Weverton Rocha (PDT-MA). A matéria tramita em regime de urgência, nos termos do requerimento 216/2023 da Comissão de Assuntos Econômicos, aprovada em 29 de novembro.
Em 12 de dezembro 2023, ao abrir a sessão, a presidência do Senado esclareceu que seria dada preferência ao parecer da Comissão de Assuntos Econômicos, nos termos do artigo 227, §2º, inciso II do Regimento Interno, a ser suplementado pelos pareceres de Plenário.
Falaram os Senadores Eduardo Girão (Novo-CE), Ângelo Coronel (PSD-BA), Carlos Portinho (PL-RJ), Rogério Carvalho (PT-SE), Jorge Kajuru (PSB-GO), Magno Malta (PL-ES), Carlos Viana (Podemos-MG). Encerrada a discussão, o mérito foi aprovado com as ressalvas dadas pelas emendas 139 e 147.
Destaca-se que a emenda 139 elaborada pelo Senador Carlos Portinho objetiva a exclusão da possibilidade de efetuar-se apostas na modalidade de quota fixa em eventos virtuais, limitando as apostas à eventos reais. Já a emenda 147 veda a instalação e/ou disponibilização de apetrechos em estabelecimentos físicos destinados à comercialização das apostas de quota fixa em meio virtual.
A matéria então retorna à Câmara dos Deputados.
(*) Camila Fernandes Oliveira é sócia do escritório Nelson Wilians Advogados e Julia Kalvon advogada do núcleo de Gaming Law do escritório Nelson Wilians Advogados. O artigo foi veiculado no Migalhas.