O jogo é um problema. Embora a maioria das pessoas se mantenha sabiamente longe das apostas, minorias ponderáveis assumem comportamentos mais arriscados. Pesquisa Datafolha mostrou que 15% dos brasileiros fazem ou já fizeram apostas esportivas online, as chamadas bets.
Os que o fazem com regularidade, ainda que bissexta, são 8%. Considerando que só uma fração diminuta dos jogadores frequentes desenvolve quadros patológicos, os números não destoam das prevalências globais. A situação muda um pouco se olharmos para coortes específicas. Entre os jovens (16 a 24 anos), 30% já fizeram uma fezinha; 16% apostam com regularidade.
Penso que há boas razões para as autoridades sanitárias ficarem alertas, mas não para a proibição do jogo. Basta lembrar que a proporção de alcoólatras na sociedade é maior que a de jogadores patológicos, mas nem por isso cogitamos de fechar os bares.
O jogo foi parcialmente proibido no Brasil durante tanto tempo devido a uma estranha aliança entre direita e esquerda. Para a bancada da Bíblia, jogar é vício, e vícios devem ser eliminados. A posição da esquerda peca por inconsistência. Ela não hesita em invocar a autonomia individual para pedir a legalização das drogas, mas abandona o argumento quando o assunto é jogo. Não vejo como sustentar que o sujeito deve ser livre para fazer o que quiser com seu corpo (e sua saúde), mas não com seu bolso (e patrimônio).
Um dos corolários do liberalismo que defendo é que cabe a cada indivíduo identificar suas vulnerabilidades e tentar controlá-las, ainda que seja difícil fazê-lo. O Estado pode e deve desenhar regulamentações que ajudem as pessoas a conter seus próprios demônios, mas não pode destituí-las da condição de árbitro final. A lista de fragilidades humanas é ampla. Se o poder público for proibir tudo o que em alguma circunstância possa fazer mal a um grupo específico, muito pouca coisa estaria dentro da lei.
(*) Hélio Schwartsman é jornalistas e foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”. O artigo foi veiculado na Folha de S.Paulo.