Especialistas apontam vácuo jurídico, mas Fazenda vê ilegalidade em apostas envolvendo resultado das eleições
A menos de um mês do primeiro turno, sites de apostas que atuam no Brasil passaram a oferecer ao público a possibilidade de apostarem nos resultados das eleições das principais capitais. Sem uma resolução específica que trata do assunto elaborada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministério da Fazenda, responsável pela regulamentação das bets, não vê “previsão legal” para esse tipo de oferta ao usuário, registra reportagem do O Globo.
Em nota ao GLOBO, a pasta esclarece que existem somente duas possibilidades em que essas atividades, em geral, são legalizadas no Brasil: diante de eventos reais esportivos ou em ocasiões em que são disputados jogos on-line certificados pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA).
Criada em janeiro deste ano com aval do ministro Fernando Haddad, a nova secretaria é responsável por comandar o processo de adequação de sites de bets interessados em atuar no território nacional à nova regulamentação, no prazo que vai até 31 dezembro.
“Apostas que extrapolam essas duas modalidades não são previstas pela legislação, não podendo ser assim entendidas como legalizadas nem em fase de regulação ou adequação”, diz o comunicado.
Falta de respaldo da lei
Apesar do posicionamento da Fazenda contrário à prática, o TSE não apresenta resolução que trata ou restringe especificamente apostas on-line voltadas para os resultados eleitorais. Para especialistas, falta respaldo na legislação.
— Essas apostas nas eleições municipais são aquelas que não são extremamente proibidas e nem expressamente autorizadas, porque não existe nenhum respaldo legal à proibição delas no Brasil, pelo menos dentro do universo do direito de jogos — afirma Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos.
Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, cinco casas oferecem a chance de apostar no pleito. Os sites oferecem multiplicadores de prêmios de acordo com diferentes variáveis, como o desempenho dos candidatos nas pesquisas. O valor do retorno do montante apostado é determinado a partir das odds de cada postulante. Em São Paulo, por exemplo, investidas na vitória do prefeito Ricardo Nunes (MDB), numericamente à frente na disputa segundo a última pesquisa Datafolha, têm o menor retorno previsto. Na tarde de ontem, a odd para um cenário de reeleição era de 1.80 em uma das maiores casas de apostas on-line do país — ou seja, uma aposta bem-sucedida de R$ 100 proporcionaria ao jogador um retorno final de R$ 180. Já os adversários mais próximos de Nunes, Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB), têm odds de 1.90 e 5.50, respectivamente.
À medida que os candidatos se afastam da liderança, os riscos elevam os multiplicadores a 67.00 em um cenário em que a deputada federal Tabata Amaral (PSB) ganha, a 81.00 em caso de vitória de José Luiz Datena (PSDB) e a 101.00 para a conquista da prefeitura por Maria Helena (Novo).
Antes restritas a modalidades esportivas, as apostas online tiveram o primeiro “boom” fora do setor em 2016 com as eleições americanas e a votação do Brexit no Reino Unido, de acordo com Ricardo Bianco Rosada, consultor de marketing e especialista no mercado. Popularizadas no Brasil pela primeira vez em 2022, na disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro, as bets hoje funcionam a partir de cotações calculadas com base em entrevistas, aparições públicas e debates, ele explica.
— É importante lembrar que as odds são dinâmicas e atualizadas em tempo real. Isso as diferencia das pesquisas eleitorais, que seguem a metodologia científica, e que são, de maneira geral, o principal indicador de probabilidade que deve ser levado em consideração— diz ele.
Instrumento de campanha
Para o cientista político Josué Medeiros, professor da UFRJ e coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL), na medida que essas atividades ganham adesão dos eleitores, elas se tornam eventualmente também um instrumento de campanha.
— Essa é uma dimensão importante para a gente prestar atenção, porque elas podem ser usadas por campanhas para mostrar um favoritismo e até mesmo um crescimento. Isso pode gerar um efeito mobilizador se as candidaturas souberem e passarem a usar essa informação, sobretudo nas redes sociais.