Manipulação de jogos: ex-árbitro diz à CPI não acreditar no envolvimento de juízes
Em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas nesta terça-feira (9), o ex-árbitro de futebol Manoel Serapião Filho disse não acreditar nem suspeitar que juízes ou dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) possam estar envolvidos com possíveis manipulações de resultados de jogos. A reunião foi conduzida pelo presidente da CPI, senador Jorge Kajuru (PSB-GO), com participação do relator do colegiado, senador Romário (PL-RJ), e do senador Carlos Portinho (PL-RJ).
— Não vejo a mínima possibilidade de que haja manipulação, de que o grupo de árbitros do Brasil, tampouco os dirigentes de arbitragem que estão na CBF, que eu conheço, possam induzir ou praticar qualquer ato de desvio. Se houver, será uma grande decepção e uma grande surpresa. E, se houver, posso lhe assegurar, senador, que será com uma ou outra ovelha negra, que não vai contaminar o grupo — disse Serapião, em resposta à pergunta de Romário sobre a possibilidade de haver atualmente a manipulação de resultados por parte de árbitros.
Ex-árbitro Fifa, Serapião foi um dos idealizadores do VAR (árbitro assistente de vídeo) no futebol. Em 2015, quando trabalhava na CBF, Serapião integrou o grupo que levou à Fifa (Federação Internacional de Futebol) o projeto de adoção do VAR, cujos primeiros experimentos já começariam no ano seguinte. Ele disse que a qualidade do VAR no Brasil ainda não é a ideal, mas afirmou que o uso dessa tecnologia está dando mais segurança ao futebol, ao corrigir distorções e equívocos em lances difíceis para a arbitragem. Serapião explicou aos senadores como funciona o posicionamento das câmeras em campo, cujas imagens são usadas nas avaliações do VAR.
Por sua vez, o ex-oficial de integridade de VAR da CBF Rômulo Meira Reis disse que sua função era técnica e que recebeu treinamento da Fifa e da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) para poder analisar suspeitas de fraudes no mercado de apostas esportivas que poderiam envolver decisões de arbitragem. Segundo ele, entre 2017 e 2022, foram mais de 200 alertas de denúncias ou suspeitas de manipulação de jogos que passaram por sua análise.
— A função de oficial de integridade é uma função nova, criada por uma deliberativa da Fifa, em que cada associação-membro (no caso do Brasil, a própria CBF) deveria estabelecer uma pessoa destinada a verificar as possíveis irregularidades entre o que acontecia em campo versus o que acontecia no mercado de apostas esportivas. Aqui no Brasil, nós conhecemos especificamente em relação à questão de casas de apostas, que são como anunciantes convencionais. Hoje o boom de anúncios é das casas de apostas, como um dia já foi das montadoras, como um dia já foi dos grandes magazines — disse Rômulo.
Leia trechos da conversa entre Rômulo Meira Reis e o senador Carlos Portinho abaixo:
Rômulo: O contrato da Sportradar assinado passava por mim; ou seja, o escopo contratual versus orçamento, entre outros, passava por mim. Então, nós tínhamos previsto, realmente, Séries A, B, C e D, não é? A C e a D, parcialmente – a Série C, também parcialmente -, e a Copa do Brasil, a partir das fases eliminatórias. Então, isso estava previsto em contrato. Dos alertas, normalmente, o oficial de integridade tem autonomia para realizar a análise. Não adianta receber um relatório, porque ele já vem com uma certa informação. Então, as análises geralmente são: aquela infração no mercado de apostas ocorreu em campo? Sim ou não? Caso não, automaticamente, é descartado; ou seja, algum apostador tentou alguma coisa ou movimentou um volume financeiro muito acima do normal e foi detectado, aquilo não aconteceu. O.k. Ocorreu em campo? De que maneira ocorreu em campo? Interferiu no resultado? Sim ou não? Caso tenha interferência, isso gera uma documentação, e a CBF encaminhava, na ocasião, para o STJD. De qualquer forma, todo e qualquer relatório que eu recebi na ocasião, além da análise técnica, era encaminhado para o STJD. Ao que acontecia dentro do STJD, processualmente, eu não tinha o acesso. Entretanto, por não ter o acesso, não significa que eu não estivesse disponível para prestar qualquer tipo de esclarecimento; diga-se de passagem, é um dos protocolos que eu preciso cumprir.
Rômulo: Até 2022, eu não fui chamado para nenhum tipo de esclarecimento referente aos relatórios. Então, somando aí aproximadamente cinco temporadas, devem ter passado pela minha mão mais de 200 relatórios.
Carlos Portinho: E, encaminhando… Eu sempre falei isso, o STJD não é uma instância do Judiciário, ele é um departamento da CBF, e isso ficou claro e estabelecido em decisão transitada em julgado da Corte Arbitral do Esporte, no leading case, no primeiro caso em que se discutiu isso, essa sua natureza jurídica, do ponto de vista nacional. Foi o caso Dodô, e que eu fui o advogado, inclusive, e eu sustentei a autonomia e a independência do tribunal e me conformei que há autonomia e há independência nas suas decisões. E, para alguns casos, a gente sabe que é relativo, porque ele é um órgão da CBF. E o STJD tem limitações, ele não tem poder de polícia, não é? Ele pode até intimar um terceiro, que, se ele não for da família do futebol, o cara nem vai. Aqui a gente ainda convoca abaixo de vara, o cara vai ter que pegar um habeas corpus; no STJD, se não for um agente, um “agente”, entre aspas, que não é um agente credenciado, que esteja envolvido, ele nem vai, ele não está nem aí. Então, ela tem limitações para essa investigação. O que a CBF disse, apenas aqui para deixar claro, é que, hoje, ela manda esses relatórios para o Ministério Público… o que, aliás – é por isso que eu quero aqui ouvir o Relator Mauro Marcelo -, na minha opinião, era o que ele deveria fazer, porque ele não tem instrumento de investigar; a gente tem mais do que ele aqui.
Carlos Portinho: Se eu quiser perguntar o nome dos atletas do clube em que houve a denúncia, se eles têm cadastro em casa de aposta, eu posso perguntar. E eles vão ter que me responder – as casas de apostas. O STJD? Dão de ombros para ele. Então, o que deveria… Por isso eu quero ouvir o Relator, para não ser injusto, mas o que deveria seguir o caminho de todas as 109 denúncias. Pega, manda para o Ministério Público, e, de preferência, o Procurador do STJD tenha a representação junto ao Ministério Público para acompanhar. Porque, quando – pelo menos nesse período que você relata, 2017 a 2022 – você mandava para o STJD, você foi chamado lá alguma vez para falar desses relatórios?
Rômulo: Não, não fui chamado. V. Exa. está bem correto. A associação-membro possui uma limitação de atuação. A própria FIFA prevê no código de ética. Se não me engano, o código da CBF também, o código de ética da CBF possui também. Você pode dar multas financeiras, suspensão e até a exclusão do desporto. Entretanto, conduzindo uma investigação com maior rigor, digamos assim, quem seria, por exemplo, talvez eu ou alguém do STJD, um civil, para fazer um inquérito ou até mesmo uma inquisição? Não teria a qualificação, e eu tenho muitas dúvidas se, legalmente, poderia ser exercida esse tipo de atividade.
Carlos Portinho: É verdade. Então, muito esclarecedor, inclusive uma informação que a gente não tinha: mais de 200 casos de alertas de suspeitas de manipulação, em cinco anos passados – de 2017 a 2022 -, que foram para o STJD e de que a gente não teve nem conhecimento, nem na imprensa. Estou até curioso em saber. Isso eu posso oficiar ao STJD, para saber se esses alertas… E pedir a cópia deles? Eles têm lá?
Rômulo: Senador, o senhor pode, talvez, solicitar à própria Diretoria de Competições da CBF, que a correspondência saía… Não saía diretamente do Rômulo Reis, saía do departamento de competições através da secretaria, como qualquer despacho administrativo.
Carlos Portinho: Vou pedir para a minha assessoria já preparar esse ofício, Senador Kajuru, tanto para o departamento de competições quanto para o STJD, para que informe a essa CPI, a nós aqui, e traga a cópia desses alertas. Não vou nem dar o número, acredito que sejam em torno de mais de 200, o que é espantoso, mas que eles nos encaminhem todos os alertas que foram encaminhados, nesse período de 2017 a 2022, ao STJD. Porque em 2023 a gente sabe que são 109 e em 2024 a gente já tem uns casos aí. Eu até estou pedindo – já fiz um outro requerimento, já foi aprovado – para saber quantos alertas tem este ano. Eu sei que em um caso, pelo menos, a própria CBF se antecipou junto com a Polícia Federal.
Convocado faltou
No começo da reunião, Kajuru informou que William Pereira Rogatto não iria depor. De acordo com o senador, o convocado entrou em contato com a assessoria da CPI, mas não disse se compareceria ou não, nem apresentou justificativa para ausentar-se do depoimento. Kajuru disse que Rogatto é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por suspeita de participar da manipulação de jogos e que há um mandado de prisão contra ele. Para Kajuru, o convocado está envolvido em manipulação de jogos de futebol desde 2020 e pode estar em Lisboa, não no Brasil.
De acordo com o Ministério Público, afirma Romário no requerimento de convocação, Rogatto se apresenta como empresário de atletas, “mas tem operado na clandestinidade como manipulador profissional mediante a cooptação de jogadores, a venda de resultados arranjados e a realização de apostas”.
Já a Polícia Federal tem investigação que mostra mensagens de Rogatto “mencionando pagamentos a jogadores aliciados, realizando apostas fraudulentas e conversando com interlocutores sobre os lucros obtidos”, registra Romário.
“William Rogatto se destaca por conduzir, durante ao menos quatro anos, um poderoso esquema de manipulação de resultados no futebol com atuação nos estados de São Paulo, Sergipe e Distrito Federal, o que o levou a figurar com destaque em duas das mais importantes operações de investigação conduzidas no Brasil. Por esses motivos, torna-se imprescindível que esta CPI colha o depoimento do senhor William Pereira Rogatto”, acrescenta Romário.
Requerimentos aprovados
A CPI aprovou requerimentos de Romário para quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático, desde janeiro de 2022, da empresa BC Sports Management Ltda, de Bruno Lopez de Moura e de Camila Silva da Motta.
De acordo com Romário, a Operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás, revelou a existência de uma organização criminosa especializada na manipulação de apostas esportivas, atuando em Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Maranhão. A investigação mostrou detalhes de uma complexa organização criminosa em rede, com divisão de tarefas e núcleos de atuação: aliciadores, financiadores, apostadores e jogadores aliciados, segundo Romário.
Bruno Lopez de Moura e Camila Silva da Motta são sócios da empresa BC Sports Management e foram denunciados na operação Penalidade Máxima. De acordo com as investigações, as contas da empresa foram usadas “para movimentação financeira do esquema delitivo, efetuando pagamentos de sinais e valores aos jogadores cooptados, intermediadores e transitando valores também para apostas nos jogos previamente ajustados”, informa Romário.
Também foi aprovado convite, de Carlos Portinho, para que deponha na CPI Mauro Marcelo de Lima e Silva, auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Segundo Portinho, o auditor considerou infundadas as acusações apresentadas pelo dono do Botafogo, John Textor, de manipulação de resultados de jogos no Brasil. Foi aprovada, ainda, a requisição de Kajuru ao STJD de compartilhamento dos documentos e informações sobre a investigação de possível manipulação de resultados no Campeonato Brasileiro de 2023.