OAB-RJ: Ponto contraponto – Legalização do jogo

Destaque I 19.05.22

Por: Magno José

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A quem interessa manter a ilegalidade?

“A melhor forma de combater o jogo ilegal é por meio de regulamentação e fiscalização rigorosa da atividade”

Ex-dirigente da LOTERJ comenta artigo do Gustavo Guimarães

Paulo Horn*

O Brasil precisa retomar o papel de destaque internacional na indústria do turismo, rompendo preconceitos já superados no mundo globalizado, para solidificar a livre iniciativa e a liberdade de concorrência, enquanto dota o Estado com as ferramentas capazes de combater ilegalidades e mitigar os riscos dos jogos de fortuna, uma atividade de elevado potencial econômico.

Não resta dúvida quanto ao óbvio fracasso da tentativa de implementação do modelo de criminalização dos jogos de fortuna, denominados jogos de azar e tipificados como contravenção penal. A melhor forma de combater o jogo ilegal é por meio de regulamentação e fiscalização rigorosa da atividade.

Em um mundo globalizado, é inconcebível que determinada conduta seja tipificada penalmente aqui e não o seja alhures, de modo a favorecer os mais ricos que podem viajar a Las Vegas ou ao Uruguai para jogar licitamente enquanto por aqui os mais pobres que buscam a mesma forma de entretenimento continuam marginalizados, perseguidos e encarcerados. Tal modelo acumulou enormes perdas ao país em favor de destinos turísticos que oferecem o jogo legalizado.

O prejuízo não foi só financeiro: vale lembrar os espaços artísticos fechados que elevaram e exportaram nomes como Carmen Miranda, Emilinha Borba, Grande Otelo e muitos outros. A era digital trouxe a facilidade dos jogos online jogados na palma da mão e provedores sediados no exterior, que lucram sem qualquer controle e tributação.

Entre os 156 países membros da Organização Mundial do Turismo, 71,16% têm o jogo legalizado e 75% dos que proíbem a atividade são islâmicos. No G20, 93% têm os jogos legalizados e, os 6,97%, que não permitem são Brasil, Arábia Saudita e Indonésia, sendo islâmicos os dois últimos. E, entre os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 75,52% têm o jogo legalizado, contudo o Brasil ainda está entre os 24,48% que não legalizaram esta atividade, deixando de arrecadar cerca de R$ 17 bilhões por ano de acordo com cálculos do deputado Herculano Passos (PSD-SP). Multiplique-se este valor pelos 70 anos de proibição e a perda atinge o valor de R$1,2 trilhão, sustenta ele.

Ser favorável à descriminalização e à regulamentação dos jogos não significa enaltecer o

jogo desenfreado ou ignorar graves problemas relacionados à ludopatia ou à criminalidade que cresce com a ausência do Estado. Ao contrário: significa respeitar as liberdades e dotar o Estado de recursos para enfrentar seriamente a questão. Resiste a pergunta que não quer calar: a quem interessa manter o jogo ilegal?

O debate ganhou força com a aprovação do Projeto de Lei 442/91, relatado pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE) na Câmara dos Deputados por 246 votos favoráveis e 202 contrários, ora submetido ao Senado, onde o PLS 186/14, do senador Ciro Nogueira (PP-PI) também se encontra pronto para o Plenário. O texto legaliza cassinos, bingos, jogo do bicho e jogos online, com a exigência de licenças em caráter permanente ou por prazo determinado, excluídos os serviços públicos de loterias.

Os cassinos que forem credenciados por leilão público na modalidade técnica e preço para a exploração pelo prazo determinado de 30 anos, renováveis por igual período, poderão explorar jogos de cartas, como o blackjack ou baccarat, jogos eletrônicos e roleta, entre outros. Os resorts integrados deverão ter ao menos cem quartos de alto padrão, locais para reuniões e eventos, restaurantes, bares e centros de compras. O cassino deverá ocupar até 20% da área construída do complexo.

O texto limitava a três o número de cassinos em estados com mais de 25 milhões de habitantes (ou seja, SP); a dois nos estados com população entre 15 e 25 milhões de habitantes (RJ e BA) e a apenas um naqueles com população inferior a esse patamar. A proposta se aprimorou para incluir a possibilidade de instalação de cassinos turísticos, independentemente da densidade populacional de cada estado, desde que localizado a mais de 100 km de distância de qualquer cassino com complexo integrado de lazer. É vedada mais de uma concessão por grupo econômico em cada estado.

O projeto inova com a criação da Cide-Jogos, visando assegurar mais recursos para a implantação e desenvolvimento de políticas públicas sociais, inclusive para estados e municípios, com alíquota fixa de 17%, sobre a operação das apostas, fixando em 20% a incidência do Imposto de Renda sobre prêmios, a partir de R$ 10 mil. Outra conquista do setor foi que o Imposto de Renda incidirá sobre o ganho líquido e não sobre as apostas.

Poderemos ver investimentos também no caso de embarcações com ao menos 50 quartos de alto padrão, além de locais para eventos, restaurantes, bares e centros de compras. Será permitida a instalação de um cassino em embarcações em rios de 1,5 mil km a 2,5 mil km de extensão. Para rios entre 2,5 mil km e 3,5 km, serão dois e, para rios com extensão maior do que 3,5 km, três.

Para o bingo, será credenciado, no máximo, um estabelecimento a cada 150 mil habitantes no município onde funcionar, na forma a ser regulamentada, com cartelas físicas ou virtuais. Será explorado em área de, no mínimo, 1.500m², apenas em caráter permanente, ocupando salas próprias, com uso de processo de extração isento de contato humano, para assegurar a lisura dos resultados. A autorização para exploração será concedida por prazo determinado de 25 anos, renováveis por igual período.O bingo também poderá ser jogado em estádios com capacidade acima de 15 mil torcedores, desde que em caráter não eventual, sendo autorizado o funcionamento de vídeobingo ou bingo eletrônico nas casas de bingo e vedado o uso de qualquer máquina tipo slot (caça níqueis) que contenha espécie de jogo diversa. A exploração de jogos online ainda dependerá de regulamentação por parte do Ministério da Economia.

O jogo do bicho será concedido, mediante credenciamento, a uma operadora de jogos e apostas a cada 700 mil habitantes no respectivo estado ou Distrito Federal. Quando a unidade da federação tiver população menor, será credenciada uma única operadora. A exploração com prazo determinado de 25 anos, renováveis por igual período, deve ser concedida mediante comprovação de reserva de recursos suficientes para pagar as obrigações da lei.

Outra grande conquista a ser destacada é que todos os registros das empresas, sejam de apostas ou extrações, devem ser informatizados, com possibilidade de acesso em tempo real pela União, de modo a contribuir com o indispensável controle e fiscalização.

(*) Paulo Horn é Mestre em Direito da Cidade pela Uerj, presidente da Comissão especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OABRJ e membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional e da de Jogos na OABDF e no Conselho Federal.

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Meio fácil para a prática de crimes financeiros

“Órgãos de fiscalização têm estrutura deficiente para tutela de crimes econômicos”

Thiago Jordace* e Alexander Medero**

A proibição da legalização do jogo no Brasil perpassa pelos seguintes argumentos: 1. O jogo é o meio mais fácil para praticar crimes financeiros de ocultação de capital; 2. Os órgãos de fiscalização possuem uma estrutura deficiente para coibir a lavagem de capitais, existindo risco concreto de controle insuficiente; 3. Fortalecimento de grupos violentos existentes em certas regiões do país, nos quais irão vincular suas atividades em estruturas de jogo legalizado; 4. Aumento de doenças vinculadas à compulsão pelo jogo, acarretando desestrutura social por transtornos psiquiátricos; 5. Seria mais um meio atrativo para jovens perderem o foco em atividades saudáveis. 6. Flexibilização de um dos objetivos fundamentais da República em prol do desenvolvimento econômico, qual seja: solidariedade.

Quanto ao primeiro argumento, é inegável a consequência já vivenciada por outros países: aumento dos crimes financeiros, principalmente da lavagem de capitais. Basta uma rasa percepção acerca da atividade econômica desenvolvida nos cassinos para entender o quão fácil seria colocar o dinheiro sujo, ocultá-lo e integrá-lo à moeda de origem limpa: a circulação de pessoas e intercâmbio de cédulas em espécie em uma velocidade tremenda que torna quase impossível uma fiscalização para, ao menos, existir um controle dos delitos de cavalheiros.

Existirão vozes dizendo ser as transações eletrônicas um meio eficaz para impedir os crimes financeiros nos cassinos. Entretanto, qual é o meio mais comum para a prática de lavagem de capitais? Justamente o eletrônico; portanto, a solução não convence, sendo apenas uma resposta fluida a um grave problema de descontrole de fluxo financeiro ilegal.

O segundo argumento somente reforça o primeiro, ou seja, evidenciando ainda mais a fragilidade e a imaturidade do país para lidar com a questão, sendo um passo longo para a jovem democracia brasileira: os órgãos de fiscalização possuem uma estrutura deficiente para tutela de crimes econômicos da forma como o sistema financeiro nacional se apresenta. A Receita Federal tem um déficit de mais de 5 mil auditores para fiscalizar 18 milhões de CNPJs; como poderá ter mais essa extensa obrigação?

Mais concursos? Considerando os elevados salários destes servidores, mais vagas não são viáveis no orçamento brasileiro, necessitando de um sacrifício às áreas essenciais, tais como a saúde e educação (sempre sacrificadas ao longo dos tempos).

O terceiro contexto argumentativo é ser a legalização do jogo uma oportunidade para a potencialização de organizações criminosas no país, nas quais procuram a todo instante estender seus tentáculos a atividades lícitas, objetivando dominar também o mercado formal. O estado do Rio de Janeiro é palco de sangrentas disputas pelo legado de famosos bicheiros, sendo um grande exemplo de um grupo a ser fortalecido pela iniciativa legislativa.

O quarto problema é a expansão de doenças psiquiátricas no país: o Jogo Patológico é classificado como um transtorno do controle do impulso, sendo, segundo a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, uma desordem psiquiátrica do hábito ou do impulso. Este consiste em episódios frequentes e repetitivos de apostas, dominando negativamente a vida social e familiar do paciente. O sistema público de saúde não está preparado para suportar esta alta demanda tanto do ponto de vista financeiro como estrutural.

Os jovens estão cada vez mais vinculados ao fator “nem nem”, ou seja, “nem estudam e nem trabalham”, sendo muitos considerados uma geração perdida no atual contexto mercadológico e de inserção social.

Com a legalização do jogo, seria mais um atrativo para estes perderem suas perspectivas de desenvolvimento social e inserção no mercado de trabalho em atividade improdutiva, maléfica à saúde e à família, acarretando um maior empobrecimento e abismo social para muitos.

Rotineiramente, a sociedade brasileira flexibiliza direitos fundamentais em prol do desenvolvimento econômico, tal como atualmente foi feito no combate da Covid: muitos flexibilizaram a saúde para resguardar a economia. É preciso refletir sobre um dos principais objetivos da República: solidariedade.

Flexibilizar a saúde e a inserção social é a resposta para um maior desenvolvimento econômico vinculado ao capital ilícito? A resposta, somente quem pode apresentar é o respeitável leitor, cabendo aos autores do presente apenas trazer reflexões e provocações acerca do presente desafio de escolher o melhor para o país.

(*) Thiago Jordace é Doutor em Direito das Cidades e mestre em Direito Penal pela Uerj; professor universitário e Alexander Medero é Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Previdenciário, Penal e Processo Penal.

 

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