Publicidade e apostas de quota fixa: proteção dos consumidores apostadores
Ao apagar das luzes de 2023, foi promulgada a Lei nº 14.790, que “dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa”, alterando leis, já vigentes, dos anos de 1972 e 2018, que tratavam do mesmo assunto.
Na forma do seu artigo 2º, a Lei de Apostas, como passou a ser chamada, considera aposta todo o ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio, podendo essa aposta ser realizada por meio físico ou digital, e define apostador como toda a pessoa natural que realiza a aposta.
Mais adiante, nesse mesmo artigo 2º, a Lei de Apostas qualifica como agente operador de apostas, toda pessoa jurídica que recebe autorização do Ministério da Fazenda para explorar apostas de quota fixa, que, como dissemos acima, poderá ser feita fisicamente ou por mecanismos digitais.
É fato que a edição dessa lei decorre, principalmente, da preocupação necessária dos agentes públicos e da sociedade civil com realização pela população em geral de apostas online incentivadas pelos conhecidos influenciadores digitais, que, em suas páginas em redes sociais, estimulam seus seguidores a fazerem apostas — sem fim — em jogos de azar que remuneram esses influenciadores com vultosas quantias, o que, inclusive, foi objeto de recente investigação pela Polícia Federal.
Pois bem. O objeto de nossa análise consiste na regulação que a Lei de Apostas pretende realizar na oferta e na realização das apostas. Pretende a lei, a nosso ver, regular a oferta de apostas, visando a proteger, principalmente, pessoas vulneráveis a essa prática, tais como crianças e adolescentes e pessoas com dependência de jogo.
Cria a lei, portanto, um regime de proteção contra o jogo patológico e os malefícios que o jogo pode causar, incentivando — o que é um acerto da lei — a autorregulamentação.
Nesse sentido, logo após a edição da Lei de Apostas, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) editou o anexo X ao seu Código de Autorregulamentação, mediante o qual apresenta regras claras e precisas para a veiculação da oferta e publicidade de apostas.
O que diz a Lei de Apostas?
Pretende-se aqui trazer, em breve resumo, os principais pontos abordados pela Lei de Apostas, visando, como dito, à conscientização de apostadores, a responsabilidade social e o jogo responsável.
Convém destacar que a Lei de Apostas, no seu artigo 27, afirma que são assegurados aos apostadores todos os direitos dos consumidores previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, em justificado diálogo das fontes, a Lei de Apostas trata os apostadores como consumidores para lhes conferir a proteção decorrente dos princípios, das regras e dos direitos previstos no CDC.
A Lei de Apostas é muito clara quando afirma que o jogo deve ser socialmente responsável, sendo a informação instrumento fundamental para que esse objetivo seja alcançado.
Na seção II do Capítulo V da Lei de Apostas, o artigo 16 afirma que as ações de comunicação, publicidade e marketing da loteria de apostas fixas deverão observar a regulamentação do Ministério da Fazenda, sendo incentivada a autorregulamentação.
Na forma desse artigo, determina a lei que deverá haver:
– avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre os seus malefícios;
– ações informativas de conscientização dos apostadores;
– ações de prevenção do transtorno do jogo patológico; e
– aviso de proibição de participação de menores de 18 anos.
A lei também prevê a necessidade de criação de um código de conduta e de difusão de boas práticas e determina que a publicidade deverá deixar clara a informação de que a loteria de apostas se destina exclusivamente para o público adulto, em uma ação orientada para a proteção de crianças e adolescentes.
Mais à frente, o artigo 17 da Lei de Apostas prevê vedações aos agentes operadores de apostas. De acordo com esse artigo, os operadores de apostas estão proibidos de veicular publicidade que tenha por objeto ou finalidade de divulgação de marca, símbolo ou denominação de pessoas jurídicas ou naturais, que veiculem afirmações infundadas sobre a probabilidade de ganho ou possível ganho, que apresentem a aposta como socialmente atraente, que contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades, que sugiram que o jogo contribui para êxito pessoal ou social, que sugiram o jogo como solução para problemas financeiros, que ofendam crenças culturais ou tradições do País e, por fim, em escolas e universidades.
Como se vê, as vedações residem, fundamentalmente, no cumprimento do dever constitucional de informação correta e precisa sobre o que são jogos e apostas, com o objetivo de evitar que os consumidores sejam induzidos ao consumo de apostas, principalmente por celebridades e personalidades presentes na mídia.
O jogo, na forma da Lei de Apostas, deve ser destinado aos adultos, que devem receber dos operadores de apostas — e não de artistas, cantores, celebridades e/ou influenciadores — todas as informações necessárias para uma boa, saudável e correta decisão de se arriscar no jogo de apostas.
A Lei de Apostas ainda determina que a publicidade deverá conter aviso de classificação indicativa de faixa etária direcionada.
E o que diz o Conar?
Estimulado pela Lei de Apostas, que autoriza expressamente a autorregulamentação, o Conar editou o anexo X ao seu Código de Autorregulamentação Publicitário, mediante o qual, em linha com o que determina a Lei de Apostas, apresenta princípios e regras a serem obedecidos pelos operadores de apostas.
O anexo X, editado pelo Conar, afirma que os agentes de apostas devem ser socialmente responsáveis, sendo vedado, em razão disso, o estímulo ao exagero e o jogo irresponsável, que deverá ser expressamente proibido para crianças, adolescentes e pessoas especialmente vulneráveis, já que as apostas se destinam exclusivamente ao público adulto.
O Conar orienta-se, no seu anexo X, pelos seguintes princípios: identificação publicitária; responsabilidade social e jogo responsável; veracidade e informação e proteção das crianças, adolescentes e pessoas mais vulneráveis.
Na forma já disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, a publicidade comercial deve facilmente identificável e reconhecível pelos consumidores. É o que determina o artigo 36 quando afirma que “a publicidade dever ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.
A natureza comercial da publicidade de apostas deve ser clara de imediato, especial para os anúncios por influenciadores, afiliados, “embaixadores”, parceiros ou congêneres. Para isso, recomenda o anexo X que seja feita menção explícita com as expressões “publicidade” ou “parceria paga”, por exemplo.
Em cumprimento a esse dever de informação, as publicidades de apostas, de acordo com o Conar, deverão indicar claramente o anunciante responsável, identificar a autorização e/ou licença e indicar o acesso para os doados de contato e o canal de atendimento ao apostador consumidor.
A fim de cumprir o principio de responsabilidade social e jogo responsável, o anexo X ao Código de Autorregulamentaçao Publicitária impõe que a publicidade de apostas deverá abster-se de (i) associar as apostas ao sucesso, encorajar eventuais apostadores, relacionar a aposta a solução de problemas financeiros, sugerir o jogo como forma de trabalho e/ou ocupação, oferecer crédito ou empréstimo como forma de estimulo à aposta e, por fim, encorajar a uma postura imprudente, criminosos ou antissocial.
Quanto ao dever de informação pelo agente que opera as apostas, afirma o anexo X que a publicidade deve conter apresentação verdadeira do serviço ofertado.
Dentre os direitos básicos do consumidor, ganha relevância o direito à informação quando se trata de atividades de risco como são as apostas. Havendo risco, a informação clara, precisa e prévia é fundamental para minimização dos riscos, das perdas e dos danos aos apostadores-consumidores.
Como sabemos, a informação ao consumidor, dada a sua relevância para o mercado de consumo e para a saudável formação e exercício da autonomia da vontade, ganhou status constitucional, porque a informação, que decorre da boa-fé objetiva, coopera para que haja equilíbrio nas relações de consumo, permitindo alcançar justiça contratual.
Esse dever de informar deverá ser atendido pelo fornecedor em todas as fases do contrato, o que lhe confere uma maior amplitude. No direito brasileiro, seja na fase pré-contratual, quando o consumidor está sendo atraído para a aquisição dos produtos ou serviço, seja na execução do contrato ou no momento pós-contratual, o dever de “bem informar” deve ser respeitado e cumprido pelo fornecedor.
É difuso o direito do consumidor de ser bem e corretamente informado pela oferta e pela publicidade veiculada no mercado de consumo. Por sua natureza integrativa ao contrato que futuramente será celebrado, tanto a oferta como a publicidade deverão informar corretamente sobre os produtos e serviços que estão sendo lançados no mercado de consumo.
Ao tratar especificamente da oferta e da apresentação de produtos no mercado de consumo, determina o Código de Defesa do Consumidor que o fornecedor deverá assegurar ao consumidor informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa. Mais que isso: o Código de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor disponha de dados fáticos, técnicos e científicos, para informar aos legítimos interessados, dados estes que darão suporte e sustentação à mensagem.
Esse cenário deve ser transportado para as apostas, quando o agente operador de apostas deverá trazer ao seu apostador-consumidor todas as informações necessárias para que se tenha um jogo responsável.
Além da identificação do anunciante da aposta, a publicidade de apostas deverá disponibilizar os canais de acesso para as informações completas sobre a oferta, valores envolvidos, dados sobre a incidência de impostos e taxas ou descontos incidentes no eventual prêmio.
Não menos importantes, o anexo X apresenta também como princípio a proteção das crianças, adolescentes e de pessoas vulneráveis.
Fica claro da leitura da Lei de Apostas e do anexo X que jogos e apostas são destinados a adultos, de tal sorte que as publicidades não podem ter crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis como público-alvo, devendo ser adotados cuidados especiais na elaboração das mensagens publicitárias.
Nesse sentido, e em cumprimento a esse principio, impõe o Conar que todos os anúncios: deverão conter a expressão “18+” ou aviso “proibidos para menores de 18 anos”; as pessoas que veiculem a publicidade devem parecer maiores de 18 anos; os anunciantes de apostas deverão criar mecanismos de restrição e controle etários; as publicidades de apostas não deverão ser inseridas em programas voltados a menores de 18 anos; e, por fim, somente poderão ser utilizadas redes sociais cujo público-alvo seja adulto.
Como forma de prevenir a ocorrência de patologias do jogo, o Conar estabeleceu quais deverão ser as cláusulas de advertência apresentadas na publicidade, a semelhança do que se faz como os cigarros e bebidas alcoólicas, podendo ser escolhida uma dentre as seguintes frases:
A publicidade de apostas deverá conter as seguintes advertências:
– Jogue com responsabilidade;
– Apostas pode levar a perda de dinheiro;
– As chances são de que você está prestes a perder;
– Aposta não é investimento;
– Apostar pode causar dependência;
– Aposta é assunto para adultos.
As advertências são claras e precisas no sentido de prevenir o jogo irresponsável e a dependência. Devem ser padronizadas e aparecer de forma legível, ostensiva e destacada.
Em conclusão
Enfim, a publicidade deve ser responsável e verdadeira, preservando a confiança do consumidor e zelando pela ética. Nesse sentido, a Lei de Apostas vem em bom momento para regular, dar transparência e informação para jogos a fim de preservar a saúde mental e financeira dos apostadores-consumidores.
(*) Luiz Fernando Afonso é doutor e mestre em direito difusos e coletivos pela PUC/SP, especialista em relações de consumo pelo COGEAE-PUC/SP e professor em cursos de pós-graduação. O artigo foi veiculado no Consultor Jurídico.