Regulamentação das apostas desportivas no Brasil

Apostas, Opinião I 10.01.24

Por: Magno José

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Regulamentação das apostas desportivas no Brasil
Maurício Corrêa da Veiga*

Introdução

No apagar das luzes do ano de 2023 foi sancionada, com vetos, a lei que regulamenta as apostas desportivas por quota fixa e as apostas on-line, também conhecidas como bets. A Lei n.º 14.790/2023, foi publicada no Diário Oficial da União do dia 30 de dezembro.

De acordo com a nova lei, aposta é o ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio e quota fixa é o fator de multiplicação do valor apostado que define o montante a ser recebido pelo apostador, em caso de premiação, para cada unidade de moeda nacional apostada.[1]

Nas apostas de quota-fixa é possível se saber de antemão o valor que será recebido.

Umas das consequências da aprovação no último dia útil do ano passado será o aumento da arrecadação de impostos em 2024, tendo em vista que empresas e apostadores passarão a ser taxados, sendo que o apostador terá que pagar 15% dos ganhos líquidos que obtiver.

Foram 3 os artigos vetados que diziam respeito a redução do montante a ser recolhido pelo governo. As empresas poderão ficar com 88% do faturamento bruto para o custeio da atividade. Sobre o produto da arrecadação, 2% serão destinados à Contribuição para a Seguridade Social. Os 10% restantes serão divididos entre áreas de educação, saúde, turismo, segurança pública e desporto.

As empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda, com experiência comprovada em jogos, deverão desembolsar R$ 30 milhões para terem direito de exploração por cinco anos. A lei também impõe requisitos, como ter sede e administração no Brasil, com pelo menos um brasileiro detendo 20% do capital social. O sócio ou acionista controlador de empresa operadora de loteria de apostas de quota fixa, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ou organização desportiva profissional, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira[2].

Ética no tocante a publicidade e marketing

Para Aristóteles a ética tem, como propósito, estabelecer a finalidade suprema que está acima de tudo e justifica todas as outras e qual a maneira de alcança-la. Essa finalidade suprema é a felicidade e não se trata dos prazeres, da riqueza, das honras e sim de uma vida virtuosa.

A lei impõe a observância de regras que dizem respeito aos limites de publicidade e da propaganda.

Com efeito, as ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa ainda está pendente de regulamentação do Ministério da Fazenda, tendo sido incentivada a autorregulação.

A regulamentação referida deverá dispor de parâmetros básicos, como, por exemplo:

I – avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios que deverão ser veiculados pelos agentes operadores;

II – outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas; e

III – crianças e adolescentes não podem ser público-alvo da publicidade, razão pela qual a destinação do conteúdo propagandístico das apostas deverá ser direcionada ao público adulto.

As apostas sempre foram criticadas e apontadas como causadoras de destruição da sociedade. Padre Antônio Vieira era um fervoroso crítico do jogo, conforme se depreende dos Sermões 132[3]:

“Que maldito ídolo é este, senão o do jogo, em que os salteadores domésticos, depois de terem dissipado tudo o mais, até as arrecadas das mulheres e filhas lhes arrancam as orelhas? Refere ali o Texto sagrado, que os adoradores do ídolo, depois de comerem, se puderam a jogar (…). Assim se usa comumente que na mesma mesa às iguarias sucedem as cartas, e à comida o jogo. Mas eu, sem ser profeta, me atrevo a afirmar que na mesa onde se frequentar muito o jogo cedo faltará o comer.”

A adoção de critérios, controles e regras de conscientização dos apostadores é essencial, pois diz respeito à saúde pública. Contudo, não fazia mais sentido haver proibição das apostas quando se sabia que essas sempre ocorreram, mas que operavam na clandestinidade, sem a criação de empregos formais e sem recolher tributos e pouco importando com a saúde mental dos apostadores.

Apostas, Direito Comparado e Histórico

Em Portugal, a publicação do Decreto n.º 14.463, de 3 de dezembro de 1927, acabou com uma tradição já secular de proibição do jogo. Com efeito, dispunha o Código Civil de 1867, que “o contracto de jogo não é permitido como meio de adquirir”. De igual sorte, o Código Penal de 1886 criminalizava a atividade de exploração de jogo, a profissão de jogador e o jogo ocasional.

Contudo, o desejo de jogar apresentava-se como uma realidade incontornável. Neste sentido, dispunha o preâmbulo do Decreto n.º 14.463/1927 que “o jogo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas”.

Desta forma, da ponderação e equilíbrio de todos os valores em causa – proibir uma atividade que potencialmente podia ser causadora de um dano individual, familiar e social ou, inversamente, reconhecer que, mesmo proibida, ela existe -, considerou-se preferível estabelecer os termos e condições em que tal atividade podia ser desenvolvida, regulando e, por essa via, protegendo os seus intervenientes, evitando comportamentos marginais e estabelecendo limites à sua exploração e prática.

Reconhecida a ineficácia da repressão, a regulação produzida teve a finalidade de definir as condições em que o jogo se podia desenvolver e quem o podia praticar. Foram criadas zonas de jogo, que pretendiam assegurar as condições necessárias à respectiva prática num ambiente controlado, com garantias de idoneidade e reduzindo ou anulando o interesse pelo jogo clandestino e ilícito. Foi também evidente a alteração de paradigma que pautou a atuação do Estado, ao abandonar a repressão penal e procurar a pautar comportamentos através do instrumento fiscal. A tributação do jogo em Portugal representou um elemento regulatório efetivo.

Já no ano de 1989 foi sistematizada a regulação da matéria com a Publicação do Decreto-Lei n.º 422/89, considerando todas as modalidades e formas de exploração à data existentes nos designados jogos de fortuna ou azar.

Desta forma, o jogo em Portugal passou de uma atividade proibida e não regulada para uma regulamentação onde se reconheceu que o direito de explorar jogos de fortuna ou azar está reservado ao Estado, estabelecendo-se, contudo, a possibilidade de ser concessionada a sua exploração.

Atualmente o regime jurídico dos jogos e apostas on-line em Portugal está previsto no Decreto-Lei n.º 66/2015.

Já na década de 1960 alertava Serrano Neves[4] que com o incentivo estatal para a prática generalizada do desporto, a ciência penal adquiriu novos rumos, razão pela qual os regulamentos desportivos, através da construção jurisprudencial gradual, passaram a complementar as regras escritas do direito, numa triunfal adaptação desse ao fato, e, portanto, à vida.

A internacionalização do desporto e o desenvolvimento das mídias provocaram o espetáculo da globalização tornando imprescindível a presença de mecanismos que sejam capazes de coibir a corrupção no desporto, com a finalidade primordial de se preservar a verdade desportiva, a integridade e a ética desportiva, quer no âmbito criminal quer na questão disciplinar.

No livro Estudos de Direito Desportivo[5], tive a oportunidade de escrever em Co-autoria com o amigo Luciano Andrade Pinheiro que os jogos de azar faziam parte do entretenimento dos romanos conforme demonstram descobertas arqueológicas.

O autor espanhol Javier Ramos demonstra que o mais famoso era o jogo de dados (tesserae), feitos de osso, metal ou marfim, lançados com copos para evitar fraudes e garantir a confiança dos participantes, que gastavam boa parte de seu dinheiro com essa prática e também como jogo de pedrinhas (tali) e o cara ou coroa (navia aut capita).[6]

Esses passatempos estavam engajados na vida dos romanos fazendo com que houvesse uma perseguição aos jogadores, conhecidos pejorativamente como aleator. Fonte de calorosas discussões, muitas das vezes os jogos terminavam em confrontos corporais, conforme registro presente em afrescos de Pompeia.

De acordo com o mencionado autor ibérico as únicas atividades com apostas legais eram as corridas de bigas, o salto com vara, o lançamento de dardo, luta, salto em altura e a luta de gladiadores. Qualquer outra aposta era considerada nula, não obrigando o perdedor ao seu pagamento. A lei não punia o roubo a uma casa de apostas.

Os jogadores eram castigados como ladrões, porém, os proprietários de casas de jogos não eram punidos, apenas não poderiam cobrar judicialmente as dívidas de seus clientes.

O jogo de roleta teve sua origem no exército romano. Para passar o tempo os soldados utilizavam as rodas dos carros que eram marcadas com números ou objetos, ou até mesmo, os próprios escudos.

Nada obstante a proibição, grande parte da sociedade romana era adepta dos jogos, independentemente da classe social, incluindo os imperadores, em especial, Nero, Calígula e Cláudio.

As apostas desportivas também eram proibidas em solo americano, conforme proibição da Professional and Amateur Sports Protection Act (PASPA). Essa Lei tornava efetiva a proibição ao impedir que o Estado americano autorizasse ou licenciasse o funcionamento de casas ou empresas de apostas desportivas. Ficava excetuada, com efeito de autorizada, a aposta desportiva já em funcionamento em cassinos, além de apostas corridas de animais reguladas.

Em maio do ano de 2018 a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou inconstitucional essa lei proibitiva por afrontar a emenda 10 da Constituição, que considera que tudo aquilo que a própria Constituição não define como poder legislativo do Estados Unidos enquanto União, pertence aos estados individualmente considerados. Nessa Linha, a PASPA é inconstitucional porque limita o poder dos estados, sem que tenha o Congresso sido autorizado pela Constituição para tanto.

Com o advento dessas autorizações de funcionamento, as ligas americanas de esporte começaram um movimento de lobby para que as novas legislações prevejam uma taxa a ser cobrada das casas e sites de apostas (1%) chamada de “integrity fee”, incidente sobre o total de dinheiro arrecadado com as apostas. O movimento está sendo capitaneado por duas das maiores ligas, a NBA (National Basketball Association) e a MLB (Major League Baseball). O dinheiro arrecadado com essa taxa seria para compensá-las pelos gastos que tem e terão com o monitoramento da relação entre as partidas e o volume de apostas. Esse controle é fundamental, dizem as ligas, para garantir a integridade do esporte.

Há empresas com atuação global que monitoram as casas e sites de aposta e alertam os organizadores de partidas e campeonatos quando o volume de dinheiro apostado em um determinado evento esportivo foge do padrão. São milhares de dados analisados para prevenir que um resultado seja combinado ou fraudado, gerando prejuízo para as casas de aposta e manchando a integridade do desporto[7].

Conclusão

Atualmente as apostas desportivas vão muito além do resultado de uma partida de futebol ou do vencedor de uma disputa de tênis ou natação. As modalidades de apostas no esporte são diversificadas. No futebol, por exemplo, envolvem número de escanteios em uma partida, número de gols, placar correto, quem receberá o primeiro cartão amarelo, quem terminará o primeiro tempo em vantagem, dentre inúmeras outras. Não bastasse isso, em alguns sites, as apostas podem ser feitas no decorrer da partida, isto é, enquanto se assiste a um jogo é possível seguir apostando. Os torcedores dizem que a aposta torna o esporte ainda mais emocionante.

As apostas desportivas e o jogo on-line encontram-se disseminados por todo o mundo, pelo que o Governo brasileiro não poderia ignorar essa realidade. É indene de dúvidas que se assistiu na última década a um movimento generalizado de regulamentação das apostas em vários países do mundo, que intensifica a necessidade de dar a devida atenção e importância a esta matéria.

Fundamental e essencial foi a preocupação do legislador com a obrigação da adoção de ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 anos.

A regulamentação traz para a legalidade uma prática que há muito existia, sem nenhuma proteção aos apostadores, que passam a ser equiparados a consumidores para efeito de proteção e direitos, ocorria de forma clandestina e negligenciada, e a partir de agora está visível, transparente e abastecerá os cofres públicos.

***

[1] Art. 2º, I e II da Lei n. 14.790/2023.

[2] Art. 6º, 7º, 8º e 12 da Lei n. 14.790/2023.

[3] SILVA, Paulo Neves da. Citações e Pensamentos de Padre Antônio Vieira. Casa das Letras, 4ª edição, p. 169

[4] NEVES, Serrano – “Doping”, homicídio e lesões no desporto – Ed. Alba, 1967 –   p. 66/67

[5] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. PINHEIRO, Luciano Andrade. Estudos de Direito Desportivo. Ed. Nobilitar, 2020 – p. 87.

[6] RAMOS, Javier. Isto não estava no meu livro de História de Roma. Ed. Marcador, 2019 – p. 143.

[7] PINHEIRO, Luciano Andrade. VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Símbolos do Desporto. Ed. Nobilitar, 2019 – p. 107/108.

(*) Maurício Corrêa da Veiga é doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; professor do Master Diritto e Sport da Universidade Sapienza de Roma; vice-presidente da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB Nacional; membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo; membro da Comissão de Altos Estudos do Contrato Especial de Trabalho Desportivo e da Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol; advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e na Ordem dos Advogados Portugueses; autor de 6 livros; sócio do Corrêa da Veiga Advogados. Escreve no Lei em Campo na coluna “Sem Olé na Lei”.

 

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