Regulamentar jogo significa arrecadação, empregos e economia girando

Destaque I 31.01.22

Por: Magno José

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Regulamentar jogo significa arrecadação, empregos e economia girando

Que tal deixarmos preconceitos de lado e falar sério sobre a proposta do Marco Legal dos Jogos no Brasil?

Felipe Carreras: 'não é só legalizar, mas proteger os jogadores e apostadores'
Felipe Carreras*

Quando o assunto são os jogos e apostas ou jogos de azar, a gente pensa no time do coração, em um número ou combinação numérica formada pelo dia, mês e ano do aniversário da mãe, pai, irmão, e por aí vai. Exemplos, de fato, não faltam. Cada um com sua devida crença.

Se você nunca jogou ou apostou, provavelmente deve conhecer pelo menos uma pessoa que já experimentou esse mercado ou alguém que levou o prêmio de um jogo ou aposta. No Brasil, essa indústria vem de longa data. Hoje, o mercado ilegal dos jogos e apostas movimenta cifras que ultrapassam R$ 20 bilhões de reais/ano. O nosso país não vê a cor desse dinheiro.

Mercado ilegal? Sim! Fora as apostas feitas por meio das operações da Caixa Econômica, há cerca de 80 anos o Brasil trata jogos de bingos, cassinos, jogo do bicho, caça-níqueis e afins como contravenções. O mercado atua na clandestinidade há oito décadas. Tempo esse em que cresceu, empregou e segue garantindo o pão de cada dia a muita gente.

Também acompanhou os avanços tecnológicos e oferece, inclusive, modalidades que cabem na palma da mão, por meio dos celulares e da internet. Na Europa e na Ásia, os jogos de apostas são uma forma de entretenimento – oficial, regulamentada, tributada – que atrai milhares de pessoas e emprega outras milhares, direta e indiretamente, passando pelos garçons, cozinheiros, taxistas…

O fomento ao turismo é diferencial inegável. Tão inegável que, recentemente, os Emirados Árabes Unidos, país que atrai milhares de estrangeiros, anunciaram parceria com uma gigante de cassinos, a Wynn Resorts, sediada em Las Vegas (EUA). A religião islâmica proíbe o funcionamento desse tipo de atividade, mas o acordo já sinaliza que as coisas estão mudando pelo Oriente Médio.

Nos países das Américas esse mercado funciona legalmente – com exceção de Cuba e Brasil, que “exporta” 200 mil cidadãos por ano, que saem daqui para jogar e apostar. Ou seja, movimentam a economia de outras nações. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa indústria gera quase 2 milhões de empregos em mais de 200 tipos de profissões que recebem, por ano, US$ 74 bilhões. Legalizado, o mercado no Brasil geraria mais de R$ 60 bilhões por ano, e pagaria cerca de R$ 20 bilhões em impostos.

A quem interessa a perpetuação desse mercado pujante sem regulamentação por aqui? Não se trata de legalizar uma indústria atualmente ilegal, e sim incentivar a geração de uma nova, ou pelo menos a expansão da existente de forma segura e justa. Para que seguir sustentando argumentos falaciosos de que os jogos alimentam negócios de procedência duvidosa e atividade escusa?

Queremos preencher essas lacunas por meio da lei. É possível, sim, com os dispositivos certos – entre os quais a não utilização de cédulas em espécie –, combater o terrorismo e a lavagem de dinheiro associados aos jogos e apostas. Regulamentar o mercado não vai fazer com que mais (ou menos) pessoas se viciem em jogar e apostar, porque já apresentamos alternativas para identificar esses perfis de jogadores e atuar diretamente na questão do vício.

Quem seriam os “viciados” entre os 20 milhões de brasileiros que apostam, diariamente, no jogo do bicho, um dos mais antigos do país? Pois é, não dá para saber. Só o jogo do bicho envolve cerca de 450 mil empregos. Se levarmos em conta as outras modalidades, a formalização da indústria poderia proporcionar cerca de 650 mil postos de trabalho diretos e 200 mil novas vagas.

Que tal deixarmos preconceitos, julgamentos e “achismos” de lado e falar sério sobre a proposta do Marco Legal dos Jogos no Brasil? Primeiro, o entendimento é que a atividade de jogos e apostas é considerada atividade econômica tipicamente privada sujeita ao controle do Estado. Portanto, não é serviço público. O acesso a esse mercado não será livre, mas condicionado à obtenção de atos de consentimento. Deverão ser respeitadas autorizações, licenças e regras dentro dessa cadeia, passando pelos operadores, locais de funcionamento, até os jogadores. Será necessário agir dentro da lei. É para valer para todos.

Agir dentro da lei significa arrecadação, tributação, geração de empregos formais diretos e indiretos, de renda, de economia girando, de desenvolvimento. Por que não legalizar e tratar com atenção os jogos e apostas, os estabelecimentos e/ou ambientes onde funcionam, seus responsáveis, além de jogadores e apostadores que usufruem dessa indústria? No Congresso, já são três as décadas em que o projeto para regulamentar as atividades dessa cadeia produtiva mal dá dois passos para frente, três pra trás, e não sai disso.

Há dois anos a pandemia da Covid-19 penaliza severa e principalmente os setores de eventos e do turismo. O Brasil precisa de ferramentas que colaborem com a superação da crise econômica. O povo passa fome, está sem emprego – 14 milhões de pessoas estão fora de um posto de trabalho. O funcionamento dessas atividades de forma clandestina não traz, realmente, nenhum ganho ao nosso país. Pelo contrário, reforça a imagem, junto à nossa população e à comunidade estrangeira, de que somos uma nação complacente com atividades ilegais.

E enquanto por aqui esse pleito não sai da esfera do debate – há décadas –, as roletas giram, os dados rodam, as bolinhas numeradas saltam, as cartas são jogadas na mesa… Definitivamente, são sortudos aqueles que se divertem de forma consciente e responsável e ainda têm a chance de ganhar os cobiçados prêmios. Que pena para o Brasil essa indefinição octogenária. Em território nacional – e pelo mundo –, segue o jogo.

(*) Felipe Carreras – Deputado federal (PSB-PE) na segunda legislatura consecutiva, já atuou como secretário de Turismo e Esporte de Pernambuco. O artigo acima foi veiculado no Jota.Info.

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Legalizar jogos de azar trará custos de fiscalização e aumento do crime

Suposto aumento da arrecadação fiscal com a regularização é superestimado

Antônio Cézar Correia Freire (Cezinha de Madureira)*

O PL 442/1991, que em sua última versão dispõe sobre a exploração de jogos de azar em todo o território nacional e dá outras providências, tramita no Congresso Nacional há mais de 30 anos. Tentativas de aprová-lo não faltaram, mas a razão sempre prosperou, restando a proposta sem deliberação de mérito por todo este período.

Em nosso país, a tipificação das condutas relativas à exploração dos jogos de azar está do capítulo VII da Lei de Contravenções Penais (LCP). Notadamente o art. 50 da LCP pune o estabelecimento ou exploração do “jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”, tratando-se de tipo penal de origem em uma conduta de costume, conforme disposto no próprio título do capítulo, que por sua vez veio a ser penalmente punível, mas que tem repercussões muito maiores do que o simples comportamento do agente.

É clara a impossibilidade de dissociação da proibição dos jogos de azar do componente moral e religioso, mas não é tão somente por tais aspectos que a proibição vige, haja visto outros efeitos, tais como os prejuízos à saúde pública, à segurança e às questões tributárias envolvidas.

A referida configuração legal foi estabelecida no ordenamento e mantida, até então, por Decreto de 1946 e, nesse aspecto, cumpre ressaltar que esteve ligada aos movimentos pós-estadonovista de democratização, possuindo amplo apoio no Congresso da época, tanto de oposição quanto da situação, contando ainda com a adesão de deputados constituintes responsáveis pela redação da Constituição Federal de 1946.

Cumpre-me, inicialmente, dispor sobre as questões do jogo patológico, a chamada ludopatia. Neste aspecto, entendo como perigosa a proposta de regulamentação, uma vez que o jogo patológico está relacionado entre os transtornos de hábitos e impulsos descritos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), sob o código F63.0, como uma doença, que de fato é, cabendo, portanto, ao Estado o dever que combatê-la e não fomentar práticas que aumentem os seus casos no país.

O jogo patológico consiste em frequentes e repetidos episódios de jogo, os quais dominam a vida do indivíduo em detrimento de valores e compromissos sociais, ocupacionais, materiais e familiares. O aspecto essencial do transtorno é jogar persistente e repetidamente, cuja frequência aumenta a despeito de consequências sociais adversas.

Neste ponto, é importante diferenciar os jogos de resultado imediato e postergado. Os jogos de loteria, por exemplo, são jogos cujo resultado se dá após um lapso temporal da aposta. Esta característica faz com que o vício neste tipo de jogo seja extremamente raro, em relação aos jogos de resultado imediato, tais quais os jogos de cassino e de máquinas. Nestes tipos, o indivíduo faz a aposta e imediatamente ganha ou perde. É este frenesi pelo resultado que atua como componente psicológico e que leva ao vício do indivíduo.

Pesquisas psiquiátricas evidenciaram que indivíduos que jogam regularmente caça-níqueis tornam-se viciados três a quatro vezes mais rápido do que aqueles que jogam cartas ou apostam em esportes. Enquanto os jogos de resultado postergado requerem três anos e meio, de jogos regulares, para viciar uma pessoa, os de resultado imediato precisam de apenas um ano.

Outras pesquisas mostram ainda que de 50% a 80% dos ludopatas já tentaram suicídio, contra uma taxa de apenas 5% da população geral. Entre os que levam a tentativa a cabo a taxa é de 13% a 20% entre os ludopatas, ante 0,5% da média mundial na população em geral.

O percentual das receitas dos jogos gastas por ludopatas também são altamente discrepantes entre os tipos de jogos. Enquanto jogos de loteria tomariam cerca de 19%, os cassinos chegam a 30% e as máquinas de jogos somam mais que três vezes o percentual gasto nas loterias, sendo mais um motivo pela qual é falsa a afirmação de que todos os jogos são iguais.

Outro importante fator de análise é o suposto aumento da arrecadação fiscal. Quando não superestimada, está sendo falseada. Os defensores da proposta afirmam que os jogos movimentarão R$ 74 bilhões, o que representaria 1% do PIB, o que, com uma alíquota de 30%, corresponderia a uma arrecadação de R$ 22,2 bilhões em impostos. Ocorre que tais números são verdadeiras falácias.

Atualmente os jogos movimentam R$ 27,1 bilhões (0,36% do PIB), segundo os próprios proponentes da legalização, ou seja, com a regulamentação haveria um adicional de R$ 47 bilhões. Um conceito básico em economia é o de trade-off – uma escolha corresponde a uma não escolha. Ou seja, este mesmo valor gasto com jogos deixará de ser gasto em outro setor da economia. Portanto, haverá uma canibalização de outras atividades econômicas pela indústria do jogo.

O governo arrecada hoje cerca de R$ 20,83 bilhões com impostos sobre os R$ 74 bilhões que iriam para os jogos. Assim, utilizando dados dos próprios defensores das propostas, teríamos R$ 8,1 bilhões com as loterias, R$ 1 bilhão com os jogos ilegais (arrecadação indireta) e R$ 11,7 bilhões com impostos sobre os R$ 47 bilhões adicionais que iriam para o jogo, utilizando-se uma hipótese conservadora de 25% de carga tributária.

Neste cenário a arrecadação adicional seria de R$ 1,37 bilhão. Número bastante inferior aos R$ 22,2 bilhões anunciados pelos seus defensores. Ocorre que esta análise ainda está sem seu melhor cenário. Caso tenhamos uma movimentação de 0,8% do PIB, como ocorre nos Estados Unidos, a arrecadação adicional seria de apenas R$ 630 milhões. Caso fique abaixo de 0,6% do PIB, haveria uma diminuição de pelo menos R$ 110 milhões na arrecadação.

Estes cenários conforme descritos ainda contam com uma alta alíquota. Qualquer que seja a alíquota abaixo de 29%, teríamos perda arrecadatória. Por exemplo, com uma movimentação de 1% do PIB e uma alíquota de 25%, teríamos uma perda de R$ 2,23 bilhões comparada à arrecadação atual.

Outro argumento utilizado pelos defensores da proposta é do aumento do turismo, que seriam atraídos pelos jogos no Brasil. Mas quando analisamos os números vemos que o nosso país é um dos que mais crescem em turismo no mundo e dificilmente os jogos serão mais atrativos aqui em relação a outros países, ou seja, os jogadores serão primordialmente brasileiros. Para registro observa-se que, de 1995 a 2019, a média mundial de aumento do turismo ficou em 122%, Portugal teve uma taxa de 81%, a África do Sul cresceu 216% e o Brasil teve aumento para 219%.

O que o nosso turismo precisa é de investimento em segurança pública, para trazer mais segurança ao turista, investimento em infraestrutura, seja aeroportuária, hoteleira e em nossas estradas, e treinamento e profissionalização do mercado receptivo, inclusive com a fluência em línguas estrangeiras. Estes itens, sim, irão atrair os novos turistas. Os jogos não necessariamente.

Também entendo que não pode subsistir o argumento fiscal nesta discussão, uma vez que os próprios números apontam em sentido contrário à proposta. Ademais, deve-se registrar a também contrariedade da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP) quanto à proposta de legalização, uma demonstração de que benefício fiscal não deve haver.

Outra questão importante nesta análise é o aumento das taxas de crimes associados à prática dos jogos de azar, sendo clara a relação com pelo menos três tipos: a lavagem de dinheiro e o crime organizado; os crimes de oportunidade, dadas as condições favoráveis para criminosos atuarem em regiões onde as pessoas estão aglomeradas, com dinheiro vivo e distraídas (ao redor de cassinos, por exemplo); e, ainda, os crimes ligados aos jogadores compulsivos.

Necessário também salientarmos as posições do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), que fizeram análise crítica e contundente da regulamentação dos jogos. Trata-se, portanto, de organizações de Estado que avaliaram a regularização como porta de entrada para crimes como lavagem de dinheiro, evasão de receita, sonegação fiscal, crime de colarinho branco e corrupção sistêmica.

Devemos ainda nos atentar aos custos da regulamentação, sejam eles relativos à fiscalização, ao policiamento e aumento de gastos no combate ao crime e pelo sistema judiciário, bem como aos custos sociais, compreendendo um valor imensurável, mas certamente maiores que os supostos benefícios que apresentam seus defensores.

Por todo o exposto, é que sou totalmente contra a regulamentação dos jogos de azar no Brasil e lutarei contra todas as tentativas neste sentido. É evidentemente claro que o aumento da arrecadação será muito baixo ou até inexistente, se traduzindo em perdas.

Há um enorme custo social ligado à fiscalização, supervisão, canibalização de outras atividades econômicas, bem como as perdas e problemas sociais ligados à ludopatia. Tudo isso, ainda, sem contar com a clara ligação com o aumento da criminalidade, em especial do crime organizado e da lavagem de capitais.

Ser contra a regulamentação dos jogos de azar é obviamente uma questão moral e de costumes, mas está longe de ser somente isso, é antes uma posição razoável frente às análises sérias das variáveis envolvidas. É reconhecer que se trata de uma proposta que gerará lucros enormes para a indústria de jogos – um lucro privado, portanto –, mas socializará imensos custos para a sociedade brasileira juntamente com o aumento da criminalidade.

(*) Antônio Cézar Correia Freire (Cezinha de Madureira) – Deputado federal (PSD-SP), atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, pastor, jornalista e radialista. O artigo acima foi veiculado no Jota.Info.

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