Taxação das bets poderia financiar política de Saúde centrada no esporte

Opinião I 18.01.24

Por: Magno José

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Taxação das bets poderia financiar política de Saúde centrada no esporte
Alexandre Carauta*

Nenhuma surpresa paira sobre o peso que ostenta a regulamentação das apostas esportivas em pautas ministeriais. Assim justificam interesses econômicos e político-partidários proporcionais ao incremento bilionário nos cofres públicos.

O Ministério do Esporte, comandado por André Fufuca (PP-MA), receberá mais de um terço da receita gerada com a taxação da jogatina online. O contribuinte está curioso quanto ao destino da bolada.

Uma sugestão: usá-la para impulsionar uma política de Saúde centrada na democratização esportiva. Teria um benefício triplo: ao dever constitucional do Estado de prover esporte e lazer, especialmente aos pobres; à prevenção de doenças, para a qual atividade física é um santo remédio; e à redução do custo com terapias e internações.

Sonharíamos alto se parcela da arrecadação financiasse um plano integrado – transpartidário – para melhorar a saúde dos brasileiros e aliviar os hospitais? Alinhado à urgência de mitigar desigualdades, o plano ampliaria o acesso à água tratada, miragem para 35 milhões de cidadãos; à alimentação decente, distante da maioria; e à prática esportiva, em escolas e espaços públicos das periferias e dos grotões.

Instituições como o Colégio Americano de Medicina e a Organização Mundial da Saúde recomendam de 150 a 300 minutos semanais de exercício moderado, como caminhar, pedalar, nadar. O hábito favorece a imunidade, a vitalidade, a memória, o sono, o humor. Reduz o risco de obesidade, diabetes, problemas cardíacos, câncer, depressão.

Ao estimular, estruturar, subsidiar exercícios físicos regulares – de maneira ampla, irrestrita, ajustada às regionalidades –, o governo também melhoraria a produtividade nacional e enxugaria os gastos inchados. A inatividade de 47% da população custa quase R$ 300 milhões anuais ao SUS, atesta estudo publicado em 2021 pelo pesquisador da UFF Marco Antonio Vargas.

Parte dos bilhões tributados na indústria das bets seria suficiente para começarmos a virar esse jogo. O dever de casa não necessariamente coincide com as conveniências em torno da distribuição de cargos e verbas nos escalões do poder.

A Lei das Apostas Esportivas (14.790), sancionada pelo presidente Lula no apagar de 2023, estipula uma mordida de 15% sobre o lucro e uma taxa de R$ 30 milhões para cada empresa do setor operar por cinco anos. A União estima arrecadar, no mínimo, R$ 10 bilhões anuais.

Serão geridos por uma cobiçada secretaria em gestação, com indicados da Fazenda e do Esporte. Se prevalecerem os acordos negociados sob as hóstias do Centrão, a pasta chefiada por Fufuca levará 36% do bolo.

O afilhado político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), poderia empregar ao menos um tasco da generosa fatia no avanço de ações que potencializam o entrelace entre esporte, saúde e cidadania. Por exemplo, o Programa Esporte e Lazer da Cidade (Pelc), recriado pela ministra antecessora, Ana Moser, em maio de 2023.

O Pelc propõe “democratizar o acesso ao lazer e ao esporte recreativo para todas as idades, incluindo pessoas com deficiência, a partir da criação de núcleos de atividades para promoção da vida saudável e da convivência social”. Alia-se ao óbvio: a popularização da prática esportiva – adequadamente prescrita, orientada, executada – fundamenta uma política pública de saúde inteligente, preventiva, menos onerosa, com ganhos expressivos no médio e no longo prazos.

Bastaria uma fração do aporte fiscal ancorado nas apostas para desenvolver, consumar e expandir inciativas do tipo. A decisão depende do cacife que elas adquirem no xadrez das coalizões e ambições político-partidárias, historicamente patrimonialistas.

Enquanto isso, o Brasil real amontoa postos médicos e hospitais. O esporte é uma receita para livrá-lo dessa perversa loteria.

(*) Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”. O artigo foi veiculado pela Revista Veja Rio.

 

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