Volta ao mundo: cassinos e jogos de azar

Opinião I 21.03.22

Por: Magno José

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Jota.info: Jogos de azar e cassinos no Brasil
Mariana Saragoça, Gregory Barbosa Barbosa e Victor Nogueira*

A exploração de jogos de azar, apostas e cassinos historicamente gera acirradas discussões não só no Brasil, mas em todo o mundo, fato este que, aliado à multiplicidade cultural e diferentes tradições legislativas, contribuiu para o surgimento de diversos modelos de regulamentação, cada qual com a sua peculiaridade.

Neste artigo, apresentaremos os principais pontos de alguns dos modelos mais relevantes de regulamentação sobre jogos de azar, apostas e cassinos, com o objetivo de estabelecer parâmetros para a análise de um modelo regulatório brasileiro.

Talvez a mais emblemática das referências internacionais do mercado de jogos de azar e cassinos no mundo sejam os Estados Unidos, tendo Las Vegas como o principal exemplo de uma indústria que possui impacto econômico estimado de aproximadamente R$ 1,3 trilhão (US$ 261 bilhões), envolvendo a criação direta ou indireta de 1,8 milhão de empregos pelo país[1]. No modelo americano, a exploração de jogos de azar e cassinos é permitida de acordo com a legislação federal, cabendo aos estados a imposição de restrições e proibições. Em âmbito estadual, por sua vez, diversos são os modelos de exploração, variando entre modelos mais abertos e mais restritos.

Alguns estados como Nevada e Louisiana permitem a exploração de cassinos em todo o seu território, impondo restrições de zoneamento e licenciamento, enquanto outros estados limitam a exploração de cassinos apenas a algumas cidades ou distritos como é o caso de Atlantic City, em Nova Jersey, e Tunica, no Mississippi. Outros estados restringem quase que completamente a prática, permitindo apenas na modalidade beneficente ou de loterias, como a Carolina do Sul.

No caso de Nevada, estado responsável pela regulamentação aplicável a Las Vegas, o funcionamento de cassinos se dá por meio de autorização, sendo que as políticas de prevenção à lavagem de dinheiro estão previstas na regulamentação federal, incluindo a elaboração de controles internos, procedimentos de auditoria e compliance independentes, bem como sistemas para conferência e registro das informações sobre os clientes.

A situação é diferente em relação às apostas eletrônicas, tendo em vista que poucos são os estados americanos que legalizam e licenciam os cassinos eletrônicos. Mesmo entre os estados que permitem, a prestação do serviço fica limitada para os residentes e para aqueles que se localizem dentro do estado no qual há a liberação, motivo que em geral acaba trazendo restrições na operação das plataformas online, tornando-as menos competitivas em relação às plataformas estrangeiras.

Olhando para a Europa, a tradição de jogos de aposta é marcante em diversos países, sendo o Reino Unido um exemplo claro de transformação após um processo de reestruturação, que se deu por meio do Ato de Apostas de 2005 (Gambling Act 2005), que permitiu uma abertura considerável no mercado de jogos de azar, tendo sido reformado em 2014 e 2020 para adaptação à era digital.

Em geral, o Reino Unido permite abertamente a exploração de jogos de azar tanto fisicamente quanto digitalmente, sendo exigidas licenças específicas para exploração das atividades. Uma licença de operação é exigida de todo estabelecimento que ofereça serviços relacionados a jogos de azar, sejam ofertados de forma remota ou não. Além disso, são exigidas licenças específicas para as instalações físicas destinadas às atividades de jogos de azar (no caso de cassinos ou casas de bingo, por exemplo), bem como licenças pessoais para os indivíduos que desempenham funções de gerência e de operação em estabelecimentos de apostas.

A regulamentação britânica é considerada uma referência tendo em vista que é um dos arcabouços mais completos em relação a políticas de proteção a menores de idade e pessoas vulneráveis, bem como em relação à proteção contra lavagem de dinheiro. Em relação ao segundo ponto, destaca-se a exigência da realização de uma avaliação de riscos em relação à possibilidade do empreendimento ser utilizado para lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, a elaboração de políticas de controle preventivo, acompanhamento e revisão das políticas de controle para garantir a sua efetividade, bem como a sua atualização com base em novas diretrizes apresentadas pela Comissão de Jogos de Azar (Gambling Comission), órgão responsável pela regulamentação e fiscalização no Reino Unido.

Ainda na Europa, outro país cuja regulamentação é referência para o desenvolvimento em outros países é a França. Sendo um país com tradição católica muito forte, os jogos de azar foram proibidos durante grande parte da história francesa. Com o tempo, entretanto, exceções foram sendo criadas para algumas modalidades de jogos, até que, em 2019, o Plano de Ação para Crescimento e Transformação de Empresas (Action Plan for the Growth and Transformation of Enterprises) permitiu ao governo francês reformar a regulamentação sobre apostas e jogos de azar.

A reforma da regulamentação veio em outubro do mesmo ano, trazendo diversas mudanças, em especial da visão regulatória, que sai do enfoque de restrição e toma como objetivos a garantia de integridade e transparência nas operações de apostas, a prevenção das apostas excessivas, a proteção dos menores de idade, a prevenção de atividades fraudulentas e lavagem de dinheiro e o uso equilibrado de diferentes formas de jogo.

Atualmente, a França emite licenças para estabelecimentos físicos que ofereçam apostas de corridas de cavalo e de cachorro, jogos de cassino, poker, clubes de jogos de cartas, sinuca, entre outros. Apostas esportivas e loterias também são oferecidas no país, mas estão incluídas dentro do monopólio de uma empresa recém-privatizada, a La Française des Jeux.

Já em relação às apostas online, todas as plataformas que tenham como alvo o público francês deverão ser licenciadas pela Autoridade Nacional dos Jogos (ANJ). Adicionalmente, todos os fornecedores das plataformas deverão ser listados no pedido de licenciamento. Além disso, o software utilizado pelas plataformas deverá ser enviado à ANJ para que seja certificado.

As atividades permitidas atualmente são poker, apostas esportivas e apostas em corridas de cavalo. A regulamentação não restringe as licenças apenas para empresas sediadas na França, permitindo também empresas localizadas na União Europeia ou no Espaço Econômico Europeu, desde que possuam tratado sobre sonegação fiscal e fraude com a França.

Já em relação ao controle de prevenção à lavagem de dinheiro, a regulamentação se aproxima do modelo britânico, com a exigência de identificação dos clientes e a implementação de procedimentos internos de auditoria e controle para prevenção à lavagem de dinheiro.

Migrando para o continente asiático, uma referência importante em relação ao mercado de jogos de azar é Singapura. A regulamentação do país não é positivada por meio de um estatuto consolidado, mas, sim, por um conjunto de normas que regulamentam as atividades de casas de apostas (Betting Act), casas de jogos e loterias públicas (Common Gaming Houses Act), loterias privadas (Private Lotteries Act) e cassinos licenciados (Casino Control Act). Além disso, as plataformas online são regulamentadas pelo Remote Gambling Act. Assim como no Reino Unido, os cassinos de Singapura são obrigados a realizar diligências internas para detectar possibilidades de brechas para lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo com regularidade.

Em relação às apostas online, o Remote Gambling Act estabelece um sistema diferente, no qual todas as atividades online ficam proibidas, com exceção das que receberam isenção. O processo para conseguir a isenção exige que o centro de operações esteja localizado em Singapura, bem como que todo conteúdo online relevante também tenha hospedagem nacional.

Além disso, uma série de restrições podem ser aplicadas a depender do julgamento da autoridade em relação às medidas necessárias para prevenir os danos em relação ao vício e à lavagem de dinheiro. Em 2016, o governo de Singapura aprovou as isenções do Singapore Turf Club e do Singapore Pools, com as restrições de que as atividades eletrônicas deveriam se limitar aos produtos já existentes nos estabelecimentos, ficando restringidos os jogos de azar em modelo de cassino.

Esses são os principais modelos que inspiram as discussões e modelagens no Brasil, especialmente o atual texto do PL 186/2014, do Senado, e do PL 442/1991, este último recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e que agora aguarda apreciação pelos senadores. No próximo artigo, trataremos sobre os principais projetos de lei em tramitação no país e as perspectivas para a legalização dos jogos de azar e cassinos.

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[1] Cf. dados da American Gaming Association, principal associação de empresas da indústria de cassinos nos EUA. https://www.americangaming.org/

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Mariana Saragoça – Advogada. Sócia do escritório Stocche Forbes que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação, com ênfase em licitações (especialmente, parcerias público-privadas – PPPs e concessões), contratos administrativos e regulação dos principais setores de infraestrutura do Brasil. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pós-Graduação em Direito da Infraestrutura pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (GVLaw), Gregory Barbosa Barbosa – Advogado da equipe de Direito Administrativo e Setores Regulados do Stocche Forbes Advogados. Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Hélder Câmara (ESDHC) e Victor Nogueira – Assistente Jurídico da equipe de Direito Administrativo e Setores Regulados do Stocche Forbes Advogados. Estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). O artigo acima foi veiculado no Jota.Info.

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