Influenciadores e jogos de azar: quais os limites da profissão?
As discussões em torno da regulamentação do trabalho de influenciadores digitais voltaram à tona nos últimos dias, após uma série de polêmicas envolvendo a divulgação de jogos de azar, que são ilegais no Brasil. Seis pessoas chegaram a ser presas no Pará e uma em Pernambuco, no último dia 18, em investigação que tem como alvo uma organização criminosa ligada ao chamado “Jogo do Tigrinho”. Segundo a polícia, elas ganhavam dinheiro para incentivar os seguidores a fazerem apostas.
“A profissão de criador de conteúdo para redes sociais ou influenciador digital é relativamente nova e, como tal, ainda está em processo de regulamentação. Contudo, isso não exclui o criador de conteúdo de seguir as normas para publicidade existentes no Brasil”, explica Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Mídia Digital e da graduação em Publicidade e Relações Públicas da FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado.
Na visão do professor, muitos influenciadores digitais possuem, de modo geral, pouco conhecimento sobre regulamentação e ética publicitária. Alguns atuam sozinhos, sem a ajuda de agências para assessorar o seu trabalho e as suas parcerias com empresas para realização das famosas #publis (publicidades).
“Penso que é preciso mudar esse cenário, para que tenhamos uma estrutura que sustente a chamada ‘creator economy’ e dê aos influenciadores condições para realizar publicidade de forma mais responsável e ética. A criação de uma estrutura adequada para apoiar essa atividade é essencial inclusive, para proteger os consumidores”, salienta Messa.
Também no último domingo, 17, o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem sobre o envolvimento de influenciadores com o Crash, conhecido como o ‘Jogo do Aviãozinho‘, da plataforma Blaze, que está sendo investigada por suspeita de estelionato.
O game funciona via depósito de dinheiro para apostas, da seguinte forma: assim que o avião começa a voar na tela, o valor da premiação vai aumentando. Cabe ao apostador decidir a hora de parar o ‘voo’ e encerrar o jogo para receber o prêmio. Porém, se antes surgir a palavra ‘crashed’, a aposta estará perdida.
A reportagem ainda informou que a polícia investiga nomes, como Viih Tube, Juju Ferrari e Jon Vlogs. As duas primeiras informaram ao Fantástico que não têm mais contrato de divulgação com a Blaze. Já Jon Vlogs disse que “tem contrato com a Blaze desde 2021 e que a relação é exclusivamente de influenciador, não havendo participação acionária”.
Profissionalização do setor
Na internet, é possível encontrar diversos outros jogos de azar semelhantes ao Crash, que sugerem trazer grande retorno e, depois, frustram os usuários. A prática, contudo, é ilegal no Brasil, por isso as punições podem atingir empresas, apostadores e quem faz a divulgação.
“Os creators são verdadeiros canais de mídia, com enorme influência sobre as suas comunidades. Com toda essa força, precisam se profissionalizar pois já se trata de um mercado gigante e que vai crescer muito mais”, diz Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo. “Todos eles devem se portar como uma empresa, garantindo uma comunicação eficaz nas redes, um comercial ativo em busca de marcas e um jurídico que os resguardem de eventuais complicações”, complementa.
Para Yheuriet Kalil, CEO da Mosaico, agência com foco em diversidade, os profissionais envolvidos nesse ecossistema – creators, agências, produtoras e marcas – deveriam se unir para discutir e regular toda política envolvida em busca da profissionalização e da evolução do setor. “Atualmente, a creator economy (economia de criadores de conteúdo) movimenta bilhões de reais no Brasil, e é um mercado que cresce exponencialmente todos os dias”, destaca.
Dados da Nielsen, empresa global de informação, indicam que o Brasil já superou a marca de 500 milhões de influenciadores digitais, com ao menos 10 mil seguidores. O investimento no ramo cresceu mais de 700%, de 2016 a 2021, chegando a US$ 13,8 bilhões, de acordo com a Influencer Marketing Hub.
“O trabalho do influenciador tem muito a ver com liderar e ajudar o outro. Infelizmente nem todo criador de conteúdo pensa e age dessa forma. Em outras palavras – e usando uma referência de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, todo influenciador é eternamente responsável sobre aquilo que compartilha, afinal, influência é a soma de conteúdos relevantes e atitudes responsáveis”, afirma Kalil.
Influenciadores devem seguir regras para fazer publicidade?
As regras aplicáveis aos influenciadores são as mesmas que devem ser seguidas por qualquer um que faça publicidade ao consumidor, explica Fernanda Magalhães, advogada e sócia do Kasznar Leonardos e membro do Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.
“O influenciador é responsável pelo que diz e divulga sobre sua experiência com os produtos ou serviços anunciados, e mesmo por induzir consumidores a erro, especialmente, nos casos em que o próprio influenciador, e não o anunciante, cria o texto ou conteúdo da postagem.”
O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade enganosa (que é aquela capaz de induzir em erro o consumidor) e a abusiva (que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança).
“O Código do Conar fornece ainda regras claras sobre a responsabilidade de influenciadores quanto ao conteúdo comercial que divulgam, recomendando cuidados quanto à forma de comunicar suas experiências sobre os produtos e serviços anunciados”, explica Magalhães.
De acordo com a especialista, os jogos de azar, que são aqueles que dependem exclusiva ou principalmente da sorte, são proibidos no Brasil, desde 1941, pela lei das contravenções penais. A mesma lei proíbe a divulgação dessas atividades em anúncios ou avisos, ainda que disfarçados como tal.
“Dessa forma, os participantes dessa cadeia de promoção dos jogos de azar podem ser responsabilizados pela divulgação desta atividade ilegal. Para além da esfera criminal, o próprio Código do Conar proíbe que anúncios contenham mensagens que possam induzir a atividades criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais atividades.”
PL proíbe influencers de divulgar jogos de azar
Na última terça-feira, 19, a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que proíbe influenciadores digitais de fazerem publicidade de jogos de azar não regulamentados.
Segundo o texto, os influenciadores serão responsáveis por garantir que seus conteúdos não promovam essas atividades. A proposta seguirá para a análise das comissões de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e depois para o Plenário da Câmara para votação.
“Os influenciadores estariam sujeitos a pena de advertência ou suspensão de suas atividades por até seis meses, enquanto as plataformas de mídias sociais a multas de até 2% de seu faturamento”, finaliza Magalhães.