Torcida patrocinada: festa na arquibancada atrai investidores; inclusive casas de apostas
A venda de espaços publicitários no futebol, negócio que há décadas mudou os uniformes dos clubes, as transmissões esportivas e mais recentemente até os nomes de estádios e competições, chegou também às arquibancadas.
Nas edições mais recentes das Copas do Mundo masculina e feminina, marcas como Brahma e Guaraná Antárctica promoveram o chamado “Movimento Verde Amarelo” (MVA), grupo que se apresenta como uma torcida organizada da seleção brasileira e que hoje opera como uma empresa, com parceiros comerciais e funcionários. O esquema de apoio patrocinado remete ao que o Banco do Brasil promoveu na década de 1990 em jogos de vôlei.
— O MVA não tem patrocínio fixo, nossas parcerias são pontuais para cada competição. Elas viabilizam a nossa atuação, nos permitem ter capilaridade, com 174 embaixadas em todos os estados e em 14 países — explica Luiz Carvalho, um dos representantes do movimento, que rebate críticas surgidas na Copa do Mundo do Catar de que o MVA é uma torcida formada por gente rica: — A elitização das arquibancadas é um problema dos grandes eventos em geral, não é algo causado pelo MVA. Tudo é muito caro. Os patrocínios aumentam nossa possibilidade de levar para esses eventos pessoas que nunca tiveram condições.
Tabu quebrado
Uniformizadas tradicionais dos clubes brasileiros também se abriram para patrocinadores. Em São Paulo, a principal organizada do Corinthians exibe nos muros de sua sede, na Zona Norte da capital, o logotipo da casa de apostas Galera.bet, empresa que também expõe sua marca em um bandeirão da principal torcida do Palmeiras e em faixas de uma organizada do São Paulo.
— Antes era um tabu as torcidas fazerem material com patrocínio. Acho que isso está mudando — diz o presidente da Mancha Alviverde, Jorge Luis Sampaio Santos. — As pessoas elogiam as festas nas arquibancadas e acham que aquilo caiu do céu. Mas não sabem o quanto é trabalhoso e caro fazer aquilo. Cada bandeirinha verde e branca que a gente distribui custa R$ 3,50, por exemplo. Só desse item, vamos levar 10 mil para o jogo da volta contra o Boca Juniors (na semifinal da Libertadores).
Ao todo, 16 organizadas de 12 clubes das séries A e B do Brasileirão contam com investimento da Galera.bet para atividades que vão da realização de festas à confecção de bandeiras e organização de caravanas. O CEO da casa de apostas online, Marcos Sabiá, diz que a parceria com torcidas uniformizadas visa a reconhecer o papel dessas entidades na promoção do futebol e superar o estigma que rodeia esses grupos, motivado em parte por episódios de violência:
— As organizadas são alvo de preconceito, assim como também há preconceito com casas de apostas. Os torcedores são imprescindíveis para o espetáculo e esses grupos têm uma relevância política muito grande, não só no futebol. As torcidas desempenham um papel social em suas comunidades e nossas parcerias têm sido um sucesso.
O setor de apostas online é hoje um dos que mais investem no meio esportivo no país. Dentre os 20 clubes da Série A, só o Cuiabá não tem nenhum patrocínio desse ramo. A regulação do setor, que inclui regras para a veiculação de propagandas, já foi aprovada na Câmara dos Deputados e agora aguarda votação do Senado.
Profissão: torcedor
Para o historiador Vitor Canale, que pesquisou a trajetória das torcidas organizadas de São Paulo, o dinheiro de patrocinadores sempre foi importante para essas agremiações, mas antes vinha principalmente de empresários locais. O professor considera que as bandeiras com logotipos sejam o início de um novo estágio nessa trajetória:
— Da mesma forma que o futebol e os clubes vivenciam um desenvolvimento ultracapitalista, as torcidas vão acompanhar esse processo. Perde-se um pouco do romantismo. O que me preocupa é em que medida esses patrocínios podem nortear as atitudes das torcidas. As agremiações surgidas a partir da década de 1970 sempre tiveram um caráter muito independente, não sei em que medida isso se manterá se, por exemplo, a organizada tiver um patrocinador em comum com o clube.
Canale vê na profissionalização das torcidas organizadas um fator que ajudou a mantê-las em uma posição de relevância. Nos últimos anos, pipocaram movimentos independentes e coletivos de torcedores com as mais diversas bandeiras que poderiam ameaçar a hegemonia das torcidas tradicionais nas arquibancadas, mas isso não aconteceu.
— Coreografias com mosaicos e outros artifícios que já eram populares na Europa são empreendimentos caros. Exigem uma quantidade grande de pessoas trabalhando. É cada vez mais difícil para um torcedor comum conciliar o trabalho com a atividade na torcida, então estamos tendo uma guinada nesse sentido, o que fomenta novas formas de financiamento. A tendência é termos cada vez mais cargos técnicos com pessoas remuneradas. O amadorismo ficará em segundo plano — projeta o historiador.
O presidente da Mancha, que hoje está rompido com a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, diz que pretende buscar mais apoiadores para a torcida organizada, e que a boa fase do time dentro de campo tem elevado os gastos nas arquibancadas:
— Não temos ajuda do clube, precisamos ir atrás de novas receitas. Estamos buscando outros parceiros e podemos explorar mais esse nicho da propaganda, já que temos uma visibilidade gigante. Uma mão lava a outra. (Globo Online)