A luta do Brasil contra o crime financeiro na era digital

As pessoas estão realizando transações financeiras digitalmente mais do que nunca, seja comprando em lojas online, adquirindo ingressos para esportes, enviando dinheiro a amigos ou transferindo dinheiro entre contas correntes e de poupança.
Os volumes de transações online seguem crescendo em ritmo sem precedentes. Isso significa que os criminosos também estão recorrendo a canais digitais e o crime financeiro está evoluindo rapidamente.
Avanços recentes em plataformas digitais levaram os clientes a exigirem processos mais rápidos e menos burocráticos para registrar e usar serviços. Ao mesmo tempo, as instituições financeiras enfrentam muitos desafios na gestão de clientes e riscos relacionados a crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, evasão fiscal, corrupção e financiamento do terrorismo.
Como as organizações podem prevenir melhor esses crimes? E como as instituições financeiras brasileiras, em particular, podem encontrar um equilíbrio entre conveniência, mantendo a fricção do cliente baixa e medidas de compliance robustas para se manter à frente de redes criminosas cada vez mais sofisticadas?
Combatendo o Crime Financeiro
Um em cada 11 novos cadastros de contas globalmente é fraudulento, de acordo com o mais recente Relatório de Cibercrime da LexisNexis Risk Solutions. Isso significa que equilibrar segurança e conveniência é difícil, embora ter as informações de risco certas ao seu alcance seja um avanço significativo. A evolução da prevenção de crimes financeiros no Brasil na era digital levou as instituições financeiras a usar tecnologias dinâmicas para onboarding e KYC (Conheça Seu Cliente) para verificar clientes de forma mais rápida e precisa. Esses esforços reduzem os tempos de espera e melhoram a eficiência do processo, sem mencionar que deixam os consumidores legítimos satisfeitos com sua experiência.
Plataformas de orquestração de risco são sistemas que integram várias ferramentas de gerenciamento de risco – mesmo de vários fornecedores – em uma única estrutura, permitindo que as instituições personalizem seus processos de verificação de acordo com suas necessidades específicas. Essas plataformas ajudam os gerentes de risco a ativar módulos personalizados com base nas necessidades de verificação para executar efetivamente os atributos definidos na política de risco da instituição. A flexibilidade e escalabilidade da plataforma a tornam particularmente adequada para pequenas e médias empresas, que frequentemente requerem soluções adaptáveis e econômicas.
Um programa que atende aos requisitos regulatórios, alinha-se a objetivos de negócios específicos e automatiza verificações de KYC e de Combate à Lavagem de Dinheiro (PLD) oferece valor a longo prazo. Ele pode ajudar a direcionar os recursos humanos para se concentrarem apenas em sinais de risco reais, identificar transações arriscadas mais rapidamente, uma vez que os dados usados para gerar sinais de risco estão constantemente atualizados, garantir compliance e proteger a marca. Também pode reduzir os custos de compliance, especialmente em um momento em que o mais recente Estudo de Custo Real de Compliance de Crimes Financeiros da LexisNexis Risk Solutions mostra que os custos de compliance continuam a aumentar para as organizações da América Latina.
Embora as tecnologias de onboarding e KYC tenham agilizado a verificação de clientes, a luta contra o crime financeiro requer ferramentas ainda mais avançadas, como a inteligência artificial (IA).
Criminosos organizados globais estão usando IA – faz sentido que os sistemas que trabalham para interromper suas atividades também a empreguem. A IA é uma ferramenta relativamente nova em nosso arsenal coletivo anticrime financeiro que analisa grandes quantidades de dados estruturados e não estruturados em tempo real para detectar anomalias. Com crimes financeiros habilitados por IA aumentando 56%, é fácil para as instituições financeiras justificarem à liderança que devem incorporar ferramentas alimentadas por IA e então combiná-las com experiência humana e dados de alta qualidade para interromper o fluxo de fundos ilícitos por meio de sua organização.
Monitoramento transacional para fins de PLD
O governo federal brasileiro tentou recentemente expandir o monitoramento de transações via PIX, exigindo que fintechs, empresas de pagamento e transferências informem certas transações à Receita Federal. O governo revogou essa medida após ampla disseminação de desinformação.
Vale lembrar que o Banco Central do Brasil e o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) já determinam que os bancos monitorem transações e relatem atividades suspeitas para prevenir a lavagem de dinheiro sob a Lei Anti-Lavagem de Dinheiro. Este sistema de monitoramento e relatórios é crucial para identificar atividades suspeitas e permitir uma resposta rápida e eficaz a potenciais ameaças. Além disso, tal monitoramento desempenha um papel vital em processos investigativos preliminares, impedindo que criminosos explorem o sistema financeiro para atividades ilícitas.
Embora o monitoramento de transações seja uma pedra angular dos esforços de combate à lavagem de dinheiro (PLD), as estruturas regulatórias em evolução são igualmente vitais para lidar com ameaças emergentes. No Brasil, desenvolvimentos recentes em leis e diretrizes, particularmente aquelas relacionadas a apostas esportivas e jogos de azar, ressaltam a importância do compliance. Explorar tecnologias avançadas para atender aos requisitos KYC e PLD é essencial para ficar à frente desses desafios.
Novos regulamentos e critérios
Os reguladores estão trabalhando para melhorar o compliance e a segurança financeira. No ano passado, o Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Jogos e Apostas (SPA), trabalhou intensamente para estabelecer critérios para leis de apostas esportivas e jogos de azar para operadores de jogos do Brasil.
Para cumprir com as portarias da SPA os operadores de jogos no Brasil devem adotar tecnologias de ponta. A verificação de identidade digital, por exemplo, simplifica o processo de identificação do usuário, permitindo que os operadores atendam aos requisitos KYC e de PLD de forma eficiente.
O screening de PLD desempenha um papel importante nos processos de due diligence ao analisar clientes e partes relacionadas em busca de atributos que podem indicar corrupção, má conduta financeira ou outro comportamento criminoso ou antiético. O monitoramento de transações de PLD segue esta etapa para ajudar a empresa a obter insights e detectar sinais de atividade financeira ilegal. A questão central reside na origem e no destino dos recursos financeiros.
Na última reunião da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), em novembro de 2024, os participantes estabeleceram ações prioritárias para 2025. Elas se concentraram no sistema financeiro e nas fraudes eletrônicas, na inserção do crime organizado nas cadeias econômicas produtivas, no uso de IA e outras tecnologias disruptivas para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro por meio de regulamentação e boas práticas, e na continuidade do tema ambiental em segmentos inexplorados.
Vários órgãos reguladores e de supervisão no Brasil levarão essas prioridades adiante para atender às necessidades dos temas centrais e traduzi-las em ações efetivas para empresas e instituições financeiras.
As prioridades da ENCCLA se alinham com os temas e a abordagem colaborativa transfronteiriça para combater os maus atores. Redes criminosas complexas e a natureza transnacional do crime financeiro levaram a indústria a mudar para a colaboração estratégica. Agências reguladoras, autoridades policiais e entidades do setor privado agora unem forças para compartilhar inteligência e combater crimes financeiros juntos.
Esses esforços colaborativos criam uma linha de defesa eficaz para detectar e prevenir lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e outros crimes.
(*) Eloise Faria é gerente de compliance contra crimes financeiros, LATAM, LexisNexis Risk Solutions