Brasil das bets: o desafio de aderir às normas do mercado nacional

O Brasil é um dos países mais lucrativos do mundo para o setor de apostas, com um total estimado de 20 milhões de pessoas jogando online. Porém, até o começo deste ano, o setor operava como um “mercado cinza”, sem regulamentação definida. As novas normas, que entraram em vigor em janeiro de 2025, representam um marco significativo para a atuação de empresas nacionais e estrangeiras no país.
Apesar da nova legislação, sabemos que muitos operadores continuam a atuar no mercado brasileiro sem licença, com exemplos notáveis no setor de skin gambling, com apostas baseadas em itens de personalização de games como Counter-Strike, por exemplo. Há, claro, um longo caminho pela frente, principalmente em relação à verificação efetiva e combate ao cibercrime.
As fraudes também representam um desafio para o setor. Números globais da Sumsub indicam que mais de 46% das empresas do setor de iGaming perdem mais de 10% de seus faturamentos anuais por conta de fraudes. O foco em jogo responsável, enquanto isso, segue no centro dos holofotes, principalmente depois de a Procuradoria Geral da República questionar a constitucionalidade da regulamentação inicial das bets.
Para tornar o setor de iGaming ainda mais seguro, o Brasil pode se inspirar em práticas que já demonstraram eficácia em países com mercado mais maduro. Verificações de acessibilidade financeira, por exemplo, já são aplicadas no Reino Unido, enquanto a Alemanha possui um registro nacional e unificado de autoexclusão. Enquanto isso, sinais de jogo problemático são monitorados ativamente em territórios como os Países Baixos e a Suécia, com ferramentas automatizadas focadas na proteção dos usuários e na divulgação de hábitos responsáveis em apostas.
Prevenção de fraudes e transparência são destaques em regulamentação
A legislação aplicada no Brasil introduziu um quadro de licenciamento claro, reforçou a transparência financeira e a prevenção de fraudes, além de implementar rigorosos requisitos de controle contra lavagem de dinheiro. A conformidade se tornou mais eficiente e, ao mesmo tempo, há espaço para evolução e adaptações, como é o caso de uma consulta pública lançada ao final de fevereiro pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do governo federal, que visa coletar contribuições para a segunda fase da agenda regulatória.
Enquanto o Brasil se posiciona como um dos principais agentes da indústria global de iGaming, as empresas que buscam abraçar uma parcela desse mercado já precisam atuar de acordo com o novo pacote de medidas regulatórias, que tem o jogo responsável como um de seus pilares primordiais. Enquanto isso, as projeções do governo indicam uma receita anual de mais de R$ 10 bilhões apenas em impostos pagos pelas companhias autorizadas a operar no país; ao final de fevereiro, mais de 60 estavam regularizadas.
Com a expectativa das votações para liberação dos cassinos, ainda no primeiro semestre de 2025, a janela de oportunidades no Brasil se abre ainda mais. Quem já operava no país antes da regulamentação tem vantagens, como a base de jogadores e marcas estabelecidas, mas enfrenta um processo complexo e dispendioso para se adequar. Enquanto isso, aqueles que começarem do zero podem se integrar perfeitamente às medidas desde o primeiro dia, mas navegarão um quadro normativo em evolução. Para ambos, a chave é a adaptabilidade e agilidade para acompanhar um mercado em pleno desenvolvimento.
Secretarias regulam apostas, empresas precisam se licenciar
O primeiro passo para trabalhar no mercado de jogos do Brasil é obter uma licença oficial, que custa R$ 30 milhões e vale por cinco anos. Para serem aprovadas, as empresas também precisam ter sede no Brasil, possuir pelo menos 20% de controle local e seguir padrões de integridade e responsabilidade firmados pela Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (ABRADIE) e do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR).
O Ministério da Economia é o responsável por emitir autorizações e editar as regras brasileiras, que começaram a ser aplicadas em janeiro por meio da Secretaria Nacional de Apostas Esportivas. As normas valem tanto para operadores de iGaming quanto para os sites de apostas esportivas, bem como para aqueles que oferecem os chamados “fantasy games”.
Os jogadores pagam uma taxa de 15% sobre os ganhos, enquanto as empresas estarão sujeitas a auditorias. Além disso, segundo a Portaria Nº 1.143, elas devem aplicar mecanismos de controle, principalmente contra a lavagem de dinheiro, além de obterem certificação ISO 27001, referência internacional em gestão de segurança da informação, para operarem no país.
Outros padrões de segurança aparecem na Portaria Nº 1.231, que firma regras para verificação e autenticação que incluem o registro de biometria facial e outros elementos que garantam a segurança no acesso às plataformas. Ainda, as regras brasileiras incluem controles sobre manipulação, proibindo operadores, funcionários públicos, esportistas e outros indivíduos com influência sobre o setor de apostarem nas plataformas.
Por fim, a Lei nº 14.790/2023 mostra preferência pelo Pix e proíbe as casas de apostas de aceitarem criptomoedas como pagamento, devido a temores relacionados à volatilidade do meio, bem como à necessidade de rastreabilidade das transações — mesmo fator que impede o uso de boletos bancários para depósitos em casas de apostas. Ainda, como medida de responsabilidade, o uso de cartões de crédito foi proibido para evitar o endividamento das famílias, na primeira entre as diversas medidas voltadas a garantir bets saudáveis no Brasil.
Jogo responsável é elemento central da regulamentação brasileira
Entre todas as regras dispostas pelo Ministério da Economia, as garantias de que os usuários farão decisões informadas e jogarão com responsabilidade parecem ter maior importância para o governo federal. Entre as normas propostas estão a aplicação de limites em depósitos ou a possibilidade de o usuário se auto-excluir das plataformas.
As companhias de iGaming também são obrigadas a terem sistemas que detectam e bloqueiam comportamentos considerados problemáticos, como aqueles que podem levar ao vício em apostas. Tais elementos também serão auditados pelas autoridades federais e são colocados, em nível de importância, ao lado das preocupações de segurança, mais um sinal de que o governo tem os parâmetros entre os pontos centrais da regulamentação.
As proteções aos jogadores também devem existir fora das plataformas e incluem normas de publicidade e marketing. As divulgações, por exemplo, não devem ser direcionadas a menores de idade ou grupos vulneráveis, além de incluir sinalizações de que os jogos e apostas devem ser aproveitados de forma responsável.
Como em toda regulamentação, o governo brasileiro também vai impor penalizações para os operadores que não cumprirem as regras, desde advertências até multas de R$ 2 bilhões, de acordo com o faturamento. Reincidências também podem resultar na perda da licença de operação no país, assim como a proibição de novos pedidos de autorização por um prazo máximo de 10 anos.
Acima disso, entretanto, o panorama geral é de que a aplicação dos padrões regulatórios do Brasil não tem se mostrado significativamente mais desafiadora do que em outros mercados da América Latina ou Europa. Muitas das companhias instaladas no Brasil, aliás, também trabalham sob normas rigorosas nos demais territórios, cumprindo exigências com precisão e sucesso; a barreira linguística, principalmente na compreensão de burocracias e nuances locais, pode até dar certa vantagem aos operadores brasileiros, enquanto os grandes nomes internacionais do iGaming possuem equipes de conformidade altamente experientes, principalmente na migração a novos mercados.
(*) Kris Galloway é head de produtos de iGaming da Sumsub