Caso de manipulação do Bruno Henrique deve servir de exemplo

Mesmo depois da Operação Penalidade Máxima, deflagrada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) e que gerou a punição de 22 jogadores pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), do caso Lucas Paquetá, que foi acusado de quatro infrações pela Federação Inglesa (FA) relacionadas à sua conduta em partidas disputadas pelo West Ham, do caso Luiz Henrique (ex-Botafogo) investigado pela Federação de Futebol da Espanha e da recém Operação Jogada Marcada da Polícia Civil de Goiás, que prendeu seis pessoas suspeitas de fazerem parte de uma organização criminosa especializada na manipulação de resultados em partidas de futebol, o Brasil continua assistindo escândalos de manipulação de jogadores para beneficiar amigos, familiares e criminosos em apostas esportivas.
Indiciado pela Polícia Federal por forçar cartão e beneficiar apostadores, Bruno Henrique levou mais três amarelos no Campeonato Brasileiro entre a data das primeiras mensagens com o irmão que estão no relatório da investigação e o duelo contra o Santos, quando tomou o cartão que deu origem ao caso, conforme adiantado pelo Metrópoles.
Comunicações similares de três operadoras de apostas concorrentes reforçaram as suspeitas de manipulação de mercado de cartões, ou “spot-fixing”.
A PF afirmou que duas empresas de integridade esportiva concluíram pela mesma análise de suspeita de fraude na partida em que o jogador atuou. Um destes relatórios contou que causou preocupação, do ponto de vista da integridade, o volume de apostas para que Bruno Henrique recebesse um cartão.
De acordo com uma das operadoras, 98% das apostas do mercado de cartões foram direcionadas ao atleta, o que a fez, pela suspeita de manipulação, suspender a oferta desse mercado um dia antes do jogo.
Uma delas teria oferecido a probabilidade de 32% de sucesso de Bruno receber um cartão na partida, considerando o recebimento, até aquele momento, de sete cartões amarelos pelo atleta nas 38 partidas anteriores disputadas.
“Aspectos lógicos não poderiam explicar o anormal interesse dos apostadores no recebimento de cartão por Bruno Henrique”, afirma o documento.
O irmão de Bruno Henrique, que também foi alvo do inquérito, teria apostado R$ 3 mil na aplicação do cartão ao irmão, esperando um retorno de R$ 12 mil. No entanto, o pagamento do prêmio foi bloqueado pela casa de apostas por suspeita de fraude. Em mensagens interceptadas pela PF, ele lamenta a frustração da aposta: “Coloquei 3 pra ganhar 12 e eles bloquearam por suspeita”.
A localização dos apostadores também chamou a atenção da operadora pela grande concentração de apostas sediadas em Belo Horizonte, cidade de Bruno Henrique.
Algumas verdades que envolvem a questão de manipulação: as casas de apostas são as maiores vítimas, as ‘Transaction Flags’ (Bandeiras de Transação) geram alertas automáticos quando transações ou comportamentos dos usuários indicam risco de fraude ou envolvimento em atividades ilícitas. Além disso, as organizações de monitoramento e integridade do setor de apostas esportivas funcionaram.
Em outubro de 2024, o Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA-MF, firmou Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com quatro organismos de monitoramento e integridade do setor de apostas esportivas: Genius Sports, International Betting Integrity Association (IBIA), Sport Integrity Global Alliance (Siga e Siga Latin America) e Sport Radar. Com a formalização dessas parcerias, a SPA fortalece a rede de segurança focada na prevenção e no combate à manipulação de resultados esportivos no país por meio das apostas.
Essas organizações são reconhecidas globalmente no monitoramento do setor e contam com expertise altamente qualificada para identificar movimentações suspeitas de apostas, ajudando a identificar e conter tentativas de manipulação de resultados.
Inclusive, a investigação do caso Bruno Henrique teve início após um levantamento feito pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 31 de julho de 2024, motivada por um alerta da International Betting Integrity Association (IBIA) sobre possíveis irregularidades na partida contra o Santos, realizada em 1º de novembro de 2023.
O caso vinha sendo investigado desde agosto do ano passado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, quando três casas de apostas detectaram volume e movimentações anormais de apostas em cartões para o atacante na partida. Os investigados foram alvos de operação de busca e apreensão em novembro do ano passado. Na ocasião, Bruno Henrique teve o celular apreendido. O aparelho foi um dos analisados pelos agentes, assim como o de Wander.
Em nota publicada na noite desta terça-feira (15), o Flamengo se manifestou sobre o indiciamento do atacante Bruno Henrique pela Polícia Federal. O clube afirmou que não foi comunicado oficialmente pelas autoridades e defendeu o “devido processo legal”.
Veja a nota completa:
O Clube de Regatas do Flamengo tomou conhecimento, nesta data, da existência de uma investigação, ainda em curso, versando sobre eventual prática de manipulação de resultados e apostas esportivas.
O Clube ainda não teve acesso aos autos do inquérito, uma vez que o caso corre em segredo de justiça, mas é importante registrar que, ao mesmo tempo em que apoiará as autoridades, dará total suporte ao atleta Bruno Henrique, que desfruta da nossa confiança e, como qualquer pessoa, goza de presunção de inocência.
O Flamengo esclarece, por fim, que houve uma investigação no âmbito desportivo, perante o STJD, a qual já foi arquivada, mas não tem como afirmar que se trata do mesmo caso e aguardará o desenrolar da investigação.
O atleta segue exercendo suas atividades profissionais normalmente. Treina e viaja com a delegação nesta terça-feira, para Belo Horizonte.
Punição criminal e desportiva
Se for confirmado que atleta está envolvido no caso, ele deve ser processado na Justiça Comum e Desportiva. O atleta foi indiciado por estelionato e fraude em competição esportiva. Se processo avançar, ele deve responder a um processo criminal.
A Lei Geral do Esporte tipifica o crime de manipulação de resultado no artigo 198 e prevê prisão de 2 a 6 anos e multa, para quem “Solicitar ou aceitar vantagem indevida ou promessa de tal vantagem com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva.”
Bruno Henrique também pode ser denunciado pelo Ministério Público com base no art. 200 da Lei nº 14.790/2023, mais conhecida como “Lei das Bets”, que trata da conduta de fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado. A pena prevista para esse tipo de caso é de reclusão, de dois a seis anos, e multa.
O caso inicialmente chegou a ser levado ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), mas foi rapidamente arquivado sob a alegação de que “eventuais lucros das apostas reportados no alerta seriam ínfimos, quando comparados ao salário mensal do jogador”.
Se o caso for reaberto e um procedimento contra Bruno Henrique for instaurado na Justiça Desportiva, uma eventual sanção ao atleta vai depender do dispositivo em que seja incurso. O art. 243 prevê que atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende, gera multa, de R$ 100,00 a R$ 100.000,00, e suspensão de 180 a 360 dias.
Já o art. 243-A estabelece que ao se atuar de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente, caso o resultado pretendido seja alcançado, a partida em questão pode ser anulada e as penas corresponderem a multa, de R$ 100,00 a R$ 100.000,00, e suspensão de 12 a 24 partidas.
Se a conduta de Bruno Henrique for considerada como sendo a do art. 258 (assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras deste Código), como foi, por exemplo, o caso de Eduardo Bauermann, ex-zagueiro do Santos, aí a pena do atleta estaria limitada a suspensão por até seis partidas.
Pela gravidade do fato, não está descartada a possibilidade de uma punição preventiva pela Justiça Desportiva, com base no art. 35 do CBJD. em caso de gravidade do ato ou fato infracional, ou em situações de necessidade excepcional e fundada. Esta suspensão preventiva é requerida pela Procuradoria do tribunal desportivo e deve ser deferida por despacho fundamentado do Presidente do tribunal.
Dentro do Flamengo, admite-se que a situação de Bruno Henrique é delicada após as provas divulgadas pela Polícia Federal, com grande chance de suspensão pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, e possível denúncia pelo Ministério Público do Distrito Federal, que investiga o caso de suposta manipulação.