CPI das Bets tenta sobrevida com prisão de ‘peixe pequeno’, mas lobby pró-apostas esquenta ‘pizza’

O fim da CPI das Bets, do Senado, inicialmente previsto para esta quarta-feira, 30, foi adiado por mais 45 dias, prazo menor do que os quatro meses extras solicitados pela cúpula do colegiado. Apesar da sobrevida negociada com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), a investigação, após os primeiros 130 dias, se encaminha para uma “pizza”, sem resultados expressivos, registra reportagem do Estadão.
Alcolumbre formalizou a prorrogação da CPI nesta quarta. Na véspera, terça-feira, 29, na última reunião antes de os trabalhos serem estendidos, a comissão prendeu em flagrante um homem que havia sido convocado como testemunha. Apontado como “laranja” de uma intermediária de jogos ilegais, ele foi acusado de falso testemunho durante o depoimento.
No papel, Daniel Pardim é representante da Peach Blossom, empresa que tem parte da Playflow, firma da advogada Adélia de Jesus Soares. Participante do programa Big Brother Brasil, da TV Globo, em 2016, ela é investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal por suspeitas de auxiliar um grupo chinês a operar apostas ilegais no Brasil.
Classificado pelo próprio advogado como um “mero cozinheiro”, Pardim se negou a detalhar sua participação na firma, mas afirmou categoricamente desconhecer Adélia. A contradição foi vista como falso testemunho, o que rendeu a prisão dele em flagrante.
A CPI não detalhou quais crimes teriam sido cometidos por Daniel Pardim no esquema das apostas, mas alegou que ele prejudicou a apuração no depoimento. A defesa dele afirma que o colegiado cometeu abuso de autoridade porque ele foi convocado como testemunha e transformado em suspeito investigado.
Entre parlamentares contrários à CPI, a avaliação é a de que a comissão buscou criar um fato para justificar a falta de resultados. E para isso acabou mirando um “peixe pequeno” no universo das empresas de apostas.
Por outro lado, auxiliares da relatora da comissão, Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmam que o esquema no qual Adélia é investigada pode ter movimentado R$ 2 bilhões em dois anos. Pouco antes da prisão, entretanto, assessores se queixavam de a medida ser aplicada contra o homem que é “só o laranja”.
A ordem prisão, pouco comum, solicitada por Soraya Thronicke, rompeu uma sequência de reuniões esvaziadas e sem foco. Houve situações em que os poucos presentes não eram suficientes para votações de requerimentos básicos. Em algumas sessões, só o presidente, Hiran Gonçalves (PP-RR), e a relatora compareciam. Em outras, nem eles.
A senadora perdeu uma sessão para ir aos Estados Unidos para encontro da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas redes, registrou o momento em que tietou o ator Mark Ruffalo em Nova York.
O ostracismo na CPI sucedeu um período de duros embates entre senadores. A fase inicial dos trabalhos foi marcada por acusações de extorsão e pela atuação de senadores pró-bets. A balança pendeu para o lado das casas de apostas, que se viram livres de quebras de sigilos financeiros.
Nos bastidores da CPI, a maior tensão girou em torno de inclusões na pauta de requerimentos de quebra de sigilos de dezenas das principais casas de apostas que atuam no País.
A possibilidade de aprovação dos pedidos trouxe um exército de lobistas das bets ao Congresso, e os pedidos sumiram sob o argumento de que eram genéricos demais e seriam retrabalhados. Eles foram incluídos e não votados em três das 14 sessões realizadas pela CPI até agora.
Para técnicos que acompanham os trabalhos da CPI, o surgimento de relatórios detalhados de movimentação financeira de empresas de apostas poderia ter o efeito de apontar conexões, no mínimo, danosas à reputação de empresas conhecidas do mercado.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) foi o autor desses requerimentos em bloco. Procurado por meio da equipe de gabinete para explicar o porquê do recuo e o porquê de ter deixado de ir às reuniões da CPI, não comentou.
“Ele pediu para retirar. E nós temos um entendimento de que quando o autor do requerimento não está presente a gente não vota. E também ele fez um arrazoado de cada requerimento que era copia e cola”, afirmou o presidente da CPI, senador Hiran Gonçalves (PP-RR).
Apesar da relevância social e econômica do tema das apostas online, houve reuniões em que só estavam presentes dois senadores, o presidente e o relator substituto. O plenário passou a ter mais lobistas do que senadores. Os observadores enviados por associações de bets, casas de apostas e escritórios de advocacia ocupam os assentos destinados ao público externo.
No mês passado, durante um desfalque do presidente, a condução dos trabalhos foi delegada a Alessandro Vieira (MDB-SE). Ele reconhece que o resultado da comissão há de deixar a desejar.
“Aquele início turbulento seguramente atrapalhou bastante, uma série de dúvidas foram levantadas e isso dificulta o foco. Mas ao final imagino que tenhamos boas propostas legislativas. Vai ter algum resultado, mas distante daquele que poderia ser feito”, disse ao Estadão.
O senador se refere a uma denúncia apontada como o motivo da derrocada da CPI. O empresário e lobista Silvio de Assis, próximo da senadora Soraya Thronicke, estaria se apresentando a representantes de casas de apostas com a promessa de blindá-los de convocações e indiciamentos com base na influência que teria sobre integrantes da comissão.
A abordagem foi denunciada como achaque e pedido de propina. O empresário Fernando Oliveira Lima, o Fernandin Oig, de Teresina (PI), teria sido alvo do lobista, recusado o pagamento e reportado o que presenciou.
Àquela altura, as sessões eram marcadas por uma “blitz” de senadores da chamada “bancada das bets”, puxada pelo piauiense Ciro Nogueira (PP). Eles trabalhavam para esvaziar a comissão e evitar que empresas fossem investigadas. Com a denúncia, esses senadores passaram a afirmar que a credibilidade dos trabalhos foi comprometida.
Eles até articularam junto ao então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), encerrar a CPI por antecipação. A iniciativa não foi exitosa, mas dali para frente a CPI perdeu força.
Com Alcolumbre na presidência do Senado, Hiran Gonçalves afirma haver um acordo para prolongar os trabalhos por mais 45 dias. O argumento foi o de espelhar a decisão que deu mais um mês e meio à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, recém-encerrada.
Ao Estadão, a relatora insistiu na versão de que a presença do lobista Sílvio de Assis nos corredores da comissão tinha um propósito completamente diferente do que fora ventilado. “Aquele senhor que foi envolvido é um jornalista e está fazendo um documentário (sobre casas de apostas)”, disse.
A relatora promete entregar um relatório final para ser votado. Ela afirma que a CPI foi prejudicada por “senadores que trabalham contra”.
“Diante de retaliações, fake news e coisas não provadas, eu ergui minha cabeça. Ameaçaram esvaziar a CPI, que é o que está acontecendo. Quem esvaziou é o culpado. Eu falei: ‘vou ser a última pessoa a sair daqui’. Vou entregar o meu relatório. Se não quiserem votar, não votem”, afirmou à reportagem, em março.
Nesta terça, ela afirmou não estar segura sobre a manutenção do acordo de prorrogação, embora ainda não estivesse com seu relatório final pronto.
Antes de pedir a prisão em flagrante de um depoente, a estratégia da senadora para dar sobrevida à CPI e repovoar o plenário era trazer para depoimentos influenciadores que divulgam apostas legais e ilegais.
A retomada seria com a convocação de Deolane Bezerra, influenciadora com mais de 21 milhões de seguidores no Instagram e investigada na Operação Integration, em Pernambuco, por suspeita de envolvimento com jogos ilegais.
Também estava nos planos da relatora a convocação de Pamela Drudi, mulher de Fernandinho OIG, o empresário que relatou um suposto pedido de propina. O objetivo era reacender a polêmica da extorsão e forçar o ressurgimento dos senadores que esvaziaram a CPI.
“É o que quero (reacender o debate sobre a extorsão). Aquele senhor, inclusive, o Sílvio, protocolou aqui pedido para ser ouvido. Que votem. Eu quero ouvi-lo, porque ele foi caluniado junto comigo”, disse.
Os planos, entretanto, foram frustrados pela Justiça. Deolane conseguiu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a desobrigou de comparecer, e a CPI não analisou uma eventual convocação de Pamela Drudi.
Substituto eventual de Soraya na relatoria, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirma que o prazo de extensão acordado é pequeno. “Deve ser dado mais uns 40 dias, o prazo que não usamos no recesso. Com isso temos chance de concluir, evidentemente apenas com sugestões para mudar a legislação”, disse.