Explosão das bets: influenciadores atraem seguidores com promessa de ensinar estratégia de jogo baseada em probabilidade

Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as postagens sobre bets cresceram 28% entre influenciadores de finanças só no primeiro semestre de 2024, em comparação com os seis meses anteriores. O estudo apontou ainda que 95% das publicações abordavam o tema com responsabilidade, enquanto 5% eram classificadas apenas como publicidade. As postagens com maior alcance tratavam das ligações das bets com crimes, impactos financeiros e emocionais e regulamentação, registra reportagem do Extra Globo.
Apesar de especialistas ressaltarem o caráter recreativo das apostas, influenciadores ensinam nas redes o que chamam de “estratégias para lucrar”.
O cientista de dados Ricardo Santos tem uma comunidade (o usuário paga para participar) que ensina seguidores a usar os softwares das casas de apostas para explorar probabilidades. Segundo ele, há dois tipos de plataformas: as tradicionais, nas quais se aposta contra a casa, e as mediadoras, que fazem a intermediação de apostas entre os usuários, cobrando taxa.
— As apostas esportivas não devem ser confundidas com jogos de azar, como Aviãozinho, Tigrinho ou cassinos. Nas bets, é possível aplicar probabilidade, enquanto nos outros tudo depende apenas da sorte — diz.
Jogo recreativo
Santos diz que a maioria das pessoas faz apostas recreativas e, por isso, essas são as que mais perdem. Segundo ele, a perda de dinheiro pode levar ao vício, especialmente quando o jogador tenta recuperar valores.
Rennan Bragança, de 26 anos, que começou compartilhando dicas gratuitas no Instagram e no Telegram, tem também um grupo pago com análises feitas por uma equipe especializada em esportes:
— No grupo gratuito, enviamos uma ou duas análises por dia. No pago, há mais estudos sobre futebol, basquete e outros esportes. Grandes apostadores no Brasil já trabalham com equipes especializadas.
Sobre o risco do vício, Bragança faz uma comparação:
— Há vários produtos legalizados que podem causar dependência, como cigarro e álcool. As pessoas podem se viciar em qualquer coisa, e tudo isso é permitido. Há preconceito com as apostas porque é algo novo.
O engenheiro civil Paulo Henrique Alves, de 42 anos, aposta em várias modalidades:
— A aposta precisa cobrir os gastos. Na Libertadores, apostei R$ 2 mil em cada time e tive um lucro total de R$ 28 mil. Temos um grupo (num aplicativo de mensagens) com cem pessoas, onde trocamos palpites.
Comportamentos variados
O operador de máquinas Adriano Rocha, de 31 anos, aposta apenas por diversão. Por isso, não costuma arriscar valores altos. Ele já experimentou cassinos on-line, mas, após sofrer perdas, desistiu da empreitada:
— Aposto no que acho que pode acontecer no futebol e em jogos de basquete. Geralmente, jogo R$ 15 ou R$ 20, e o retorno depende da aposta.
O encarregado de obras Viviano da Silva, de 39 anos, não entra num jogo por menos de R$ 100. Ele pesquisa estatísticas antes de apostar, mas, quando se trata do Botafogo — seu time do coração —, deixa a razão de lado:
— Qualquer aposta oscila tanto para o lado positivo quanto para o negativo. Costumo apostar mais em futebol, mas depende da odd (indicação no site do quanto alguém pode receber por apostar em certo resultado).
Moderação
O supervisor de manutenção Fernando Silva, de 36 anos, afirma que aposta com moderação e diz que vê os jogos como entretenimento. Mas reconhece o perigo do vício e diz que reduziu a frequência das apostas.
— O jogo tem um lado divertido, mas o vício é perigoso. Quando você ganha, sente aquela vontade de jogar de novo. Na primeira vitória, acha que está no melhor dos mundos — comenta.
O autônomo Pablo Garcia, de 26 anos, não aposta apenas em esportes, mas também em cassinos on-line. Ao fazer um balanço de perdas e ganhos, admite que costuma perder mais do que ganhar. Nas redes sociais, ele diz acompanhar influenciadores que falam a respeito do assunto e sugerem apostas.
— Comecei apostando em futebol, mas hoje também jogo basquete. No futebol, que eu entendo mais, temos até um grupo onde compartilhamos palpites — conta.
Nas mãos de um golpista
A dona de casa Letícia Silva, de 26 anos, moradora de Minas Gerais, começou a apostar em 2020, na pandemia. Como estava grávida e desempregada, procurava alternativas de renda quando uma amiga lhe enviou um link para um site de apostas. Com o tempo, conheceu outras plataformas e acabou criando o próprio grupo para dar orientações.
— Eu não sabia nada sobre estratégias, mas fui entrando em grupos, observando como jogavam e aprendendo. Acompanho bastante os cassinos e aprendi a identificar quando a plataforma on-line está “recolhendo” ou “distribuindo”. Se os jogos estão pagando com facilidade, significa que a casa está distribuindo, ou seja, liberando mais ganhos. Quando percebo que os jogos não estão pagando bem (recolhendo), paro por alguns dias — diz.
Ela também lucra indicando plataformas em sua rede social: a cada dez pessoas que fazem um depósito, ela recebe um valor. Mas toda essa experiência não a impediu de cair num golpe:
— Já fui vítima do golpe de uma plataforma ilegal. Um gerente me fez a proposta: ele pegaria R$ 300 para eu trazer 20 depositantes de R$ 15 cada. Levei dez pessoas, e ele me pagou a metade do combinado. Quando levei o restante, o golpista não me pagou e bloqueou meus “baús”, que funcionam como uma poupança na plataforma.
Sinais de problemas
Como reconhecer
Os sinais de que o apostador está adoecendo são: perda de controle (a pessoa pretende gastar R$ 10 e acaba jogando todo o salário); necessidade de aumentar a quantia e o tempo apostando para elevar a sensação de prazer; a aposta é feita para aliviar um sentimento negativo; vem a fissura, o desejo irrefreável de jogar; a pessoa aposta para tentar recuperar valores perdidos (o compulsivo tem uma distorção cognitiva, “enxergando” mais as pessoas que ganham em vez de perceber que na maior parte vezes ele próprio perdeu); diminuição de interesse pela escola, por outras atividades e pelos relacionamentos; e a pessoa deixa de cumprir compromissos.
Como obter ajuda
Pode-se buscar ajuda no atendimento primário do Sistema Único de Saúde (SUS), como postos e clínicas. Quando esses locais não conseguem dar conta da demanda, o paciente é encaminhado aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Confira os endereço no Rio: https://saude.prefeitura.rio/cps.
Influencers e famosos na mira
Desde a pandemia, o mercado de apostas on-line no Brasil cresceu exponencialmente, levando as autoridades a intensificarem fiscalizações e operações contra irregularidades. Entre os principais alvos estão influenciadores digitais e celebridades, que têm sido monitorados por suspeita de promoverem o jogo de forma inadequada ou estarem envolvidos em esquemas ilícitos. Além de investigações individuais, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda, determinou o bloqueio de muitos sites irregulares.
Em setembro de 2024, Neymar Jr. foi chamado pela Justiça do Rio a explicar sua associação com uma bet, após ser acusado por um seguidor de fazer propaganda enganosa sobre apostas. O processo foi arquivado.
No mesmo mês, a advogada Deolane Bezerra foi presa em Recife (PE) durante a operação “Integration”, sob suspeita de participação num esquema de lavagem de dinheiro e prática de jogos ilegais. Na ocasião, o cantor Gusttavo Lima também foi indiciado. Porém, o Ministério Público de Pernambuco acabou pedindo o arquivamento de partes da investigação. A Procuradoria-Geral de Justiça aceitou o pedido.
Também já foram envolvidos em recentes polêmicas nas redes o surfista Pedro Scooby, o cantor Zé Felipe e os influenciadores Carlinhos Maia e Virginia Fonseca, por terem parceria com uma empresa alvo de investigação e operação policial sobre jogos ilegais. Outros famosos, como Wesley Safadão, Jojo Todynho e Tirulipa, foram citados por promoverem plataformas e deverão ser ouvidos na CPI das Bets.