Os jogos de azar

Opinião I 13.08.02

Por: sync

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André Ramos Tavares*
A Constituição federal assegura expressamente que uma das fontes de custeio da Previdência é aquela obtida por meio de recursos provenientes de contribuição social incidente sobre a receita dos concursos de prognósticos (art. 195).
Os concursos de prognósticos, por sua vez, inserem-se no que se denominam “jogos de azar”. Englobando tanto aqueles que se realizam por meio de cartas como por meios eletrônicos, o que os caracteriza é basearem-se na sorte.
Por outro lado, um dos pilares sobre os quais se assenta nosso sistema econômico é o da livre iniciativa, princípio constitucional explícito (art. 170, 4º), cujo conteúdo pode ser resumido na liberdade de cada cidadão para abraçar a atividade profissional que desejar. Assegura-se ainda que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, 13).
Em face dos termos peremptórios em que a Carta coloca o tema, é de indagar se os jogos ainda são proscritos em nosso ordenamento jurídico. Em tempos pretéritos, marcados pela mentalidade predominantemente autoritária dos agentes públicos, o que não podia deixar de repercutir na interpretação constitucional da época, toleravam-se restrições de porte quanto à plena liberdade da pessoa.
Contudo não há mais como suportar antigas limitações, baixadas em períodos de exceção. Se elas persistem, é mais por força de interesses de determinados setores da comunidade do que propriamente por lastrearem-se em mandamentos jurídicos proibitivos.
Atuais proibições, como as ancoradas no Código Civil, de 1916, ou na Lei de Contravenções Penais, de 1941, não podem subsistir contra a Constituição de 1988.
Aliás, foge de padrões lógicos o Estado praticar o que ele mesmo proíbe, como é o exemplo das diversas loterias instituídas pelo governo. Portanto, a prática do jogo não está proibida e muito menos constitui monopólio público; para assim ser, teria de constar do rol constitucional de monopólios.
Exatamente por estar albergado pela Constituição o princípio da livre iniciativa, qualquer limitação a este só poderia se dar no seio da própria Carta. Os monopólios estatais, por constituírem barreiras à iniciativa privada, só se admitem como ressalvas advindas do próprio poder constituinte originário.
Conclui-se da análise constitucional que o Estado não detém nenhuma exclusividade na exploração dos jogos de azar.
Portanto, em um Estado democrático de Direito, como diz sê-lo o Brasil, é inconcebível que determinados grupos imponham aos demais seus valores. A democracia incute a idéia de pluralismo, o que remete à necessidade de convivência entre as mais diversas ideologias, sem que nenhuma delas seja encampada pelo Estado e se sobreponha às demais, eliminando-as.
A real liberdade reside no tratamento igualitário a todas as dimensões da manifestação social. Se o jogo é considerado imoral por alguns, estes não poderão valer-se de meios jurídicos para impedir em caráter geral sua prática.
(*)Diretor de estudos e pesquisas do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito Constitucional)

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