Defensoria Pública da União pede o ingresso como amicus curiae na RE 966.177
A Defensoria Pública da União – DPU solicitou nesta quarta-feira (25) ao ministro Luiz Fux o ingresso como amicus curiae no Recurso Extraordinário (RE) 966.177, com repercussão geral reconhecida (Tema 924) pelo Supremo Tribunal Federal. A DPU é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, em todos os graus, perante o Poder Judiciário da União (a Justiça Federal, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar). O julgamento do mérito do RE 966.177 está pautado para o dia 7 de abril.
Representada pelo Defensor Público Federal de Categoria Especial, Gustavo Zortéa da Silva a petição também pede o reconhecimento da não-recepção do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais e que seja negado pelo Plenário do STF o recurso extraordinário do Ministério Público do Rio Grande do Sul
O parecer da DPU começa com uma referência irônica à repressão criminal ao jogo de azar, constante da letra original da canção que assumiu o crédito de primeiro samba gravado, de nome “Pelo Telefone”, de 1916, de autoria oficial de Ernesto dos Santos, o Donga, e Mauro de Almeida: “O Chefe da polícia, Pelo telefone, Mandou avisar, Que na Carioca, Tem uma roleta, Para se jogar”.
A peça da Defensoria Pública da União resume o que está em julgamento no Recurso Extraordinário (RE 966.177) interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul questionando decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul.
“Em primeira instância, o réu, ora recorrido, foi condenado pela prática da contravenção penal prevista no artigo 50, caput, da Lei de Contravenções Penais, em continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal). Foi fixada a pena de 3 meses, à qual se acresceu a fração de 1/6 decorrente da continuidade delitiva, dimensionando-se a sanção definitiva em 3 meses e 15 dias de prisão simples. Estabeleceu-se o regime inicial aberto. Promoveu-se a substituição da sanção corporal por prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo. A Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul, no julgamento da apelação, absolveu o réu. Entendeu que a criminalização da conduta não encontraria validade na ordem constitucional vigente. Foi interposto recurso extraordinário pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, o qual veio a ser admitido. Reconheceu-se a existência de repercussão geral, delimitando-se a discussão à recepção, ou não, pela Constituição da República, do artigo 50 do Decreto-Lei 3.688/1941, que prevê a contravenção penal do jogo de azar.
Eis, portanto, o objeto do recurso extraordinário: saber se a previsão do jogo de azar como contravenção penal foi recepcionada pela Constituição da República.”
No capítulo II, a Defensoria Pública da União elenca os motivos e a defesa para que o ministro Luiz Fux aceite o ingresso da entidade como amicus curiae no RE 966.177.
No capítulo III da petição, a DPU fundamenta os motivos por defender que a Lei de Contravenções Penais não ter sido recepcionada em sua íntegra pela Constituição Federal de 1988.
“A Defensoria Pública da União defende que a Lei de Contravenções Penais é o território por excelência de controle de comportamentos sociais. Constitui verdadeiro behaviorismo criminal. Em razão disso, autores defendem que a lei não foi recepcionada em sua íntegra, uma vez que vícios e comportamentos não devem ser punidos pelo Direito Penal, considerada a secularização do direito. A contravenção de estabelecimento ou exploração do jogo de azar, relativa à polícia de costumes, assume com maior ênfase esse caráter de mero controle de comportamento social. Fundamenta-se, em última análise, no juízo moral negativo que recai sobre quem estimula ou pratica o jogo de azar”.
Segundo a DPU, a contravenção de estabelecimento ou exploração do jogo de azar, relativa à polícia de costumes, assume com maior ênfase esse caráter de mero controle de comportamento social. Fundamenta-se, em última análise, no juízo moral negativo que recai sobre quem estimula ou pratica o jogo de azar.
A Defensoria Pública da União também argumenta que a “proteção criminal ao risco de compulsão pelo jogo de azar, não há como justificar o fato de não recair, por imperativo racional (proporcionalidade), algum de criminalização sobre a disponibilização e o próprio consumo de álcool e de cigarro, que também são fontes possíveis e potenciais –senão ainda mais graves –de vícios. A propósito, tais vícios incursionam ainda de maneira mais efetiva sobre aspectos de saúde pública, por afetarem de maneira mais imediata a saúde corporal”.
O Defensor Público Federal de Categoria Especial, Gustavo Zortéa da Silva finaliza a peça com um entendimento defendido há anos pelo BNL, da necessidade de de acolher o jogo em nosso sistema jurídico, porque existindo demanda “alguém” vai prestar o serviço.
“Há razões de política criminal que indicam a irracionalidade de criminalização dessas condutas. Uma dessas razões é a de que muitos victimless crimes [crime sem vítima] recaem sobre bens e serviços que são objeto de grande demanda. A sanção penal, dessa forma, limita o fornecimento, mas não consegue controlar a demanda, o que gera valorização do bem ou serviço e cria verdadeiro monopólio para os profissionais do negócio. O efeito, então, é o de contribuir para a formação e para o crescimento de organizações criminosas”.