Loteria muda e aposenta o sonho dos 13 pontos

Loteria I 25.02.02

Por: sync

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O samba corria animado na casa do Vavá, quando um assovio de bala parou a batucada. Não foi tiroteio, mas um feliz apostador do morro que fez 13 pontos. A história, contada pelo compositor Paulinho da Viola, foi sucesso em 1972, no samba Pagode do Vavá, e é um exemplo de como a Loteria Esportiva marcou o imaginário do brasileiro.
Naquela época, o jogo só tinha dois anos de idade. Hoje, quase 32 anos depois, a Loteria teve de mudar para continuar atraindo público. Desde o dia 15, virou Loteca. E já não são 13, mas 14 pontos o prêmio máximo pago pelo jogo. Mas também se fosse agora, o feliz vizinho do Vavá, não morreria na praia.
“A Loteca também premia quem faz 13 e 12 pontos”, explica o superintendente nacional de Loterias e Jogos da Caixa Econômica Federal, Marco Antônio Lopes. Segundo ele, a mudança foi motivada por uma pesquisa feita com 2.672 apostadores de todo o País, entre fevereiro e abril do ano passado. “A maior queixa era de que a Loteria Esportiva só pagava para quem acertava os 13 pontos. Não havia premiações secundárias como em outros jogos da Caixa.”
O fato, porém, é que a Loteria, agora Loteca, há anos já não vem dando prêmios tão altos como nos anos 70 e 80. O primeiro concurso da Loteca, que correu no dia 18, pagou apenas R$ 112 mil pelo prêmio máximo (14 acertos). O dinheiro acabou sendo dividido por dois apostadores.
Milionários – Nos anos 70, os valores eram milionários. O comerciante capixaba Mário Alberto Ronconi, por exemplo, ganhou 14 milhões de cruzeiros em novembro de 1972. Se fosse hoje, Ronconi teria faturado a bagatela de R$ 20,4 milhões.
“Nos anos 70, tínhamos apenas uma modalidade de loteria. Atualmente, são oito tipos de jogos e é natural que haja uma redistribuição de apostas, diminuindo o valor dos prêmios”, avalia Lopes. Na cola da Loteca, está, entre outros tipos de jogos, a Mega Sena, na qual o jogador é obrigado a acertar seis números números num total de 60.
No último concurso, do dia 20, o valor do prêmio máximo chegou a R$ 3,2 milhões. Não houve ganhadores.
O grau de probabilidade de acertar qualquer jogo de loteria parece ser inversamente proporcional à forma de gastar o dinheiro adquirido num sorteio – pelo menos nos anos 70. O Estado conseguiu localizar seis dos maiores ganhadores da Loteria daqueles anos. Destes, apenas dois conseguiram manter a riqueza ou um padrão de vida de classe média. É o caso do boiadeiro Miron Vieira de Souza, de Goiás, que faturou, sozinho, 22 milhões de cruzeiros em setembro de 1975 (hoje cerca de R$ 16 milhões).
Sua primeira providência foi comprar uma dentadura. Adquiriu terras e bois e hoje vive como fazendeiro em Iporá, a 220 quilômetros de Goiânia. “Ajudei muita gente, minha família, amigos, pessoas estranhas”, conta Miron, hoje com 64 anos. Segundo ele, o que segurou seu dinheiro foram as terras. “Foi meu melhor investimento”, acredita.
De lá pra cá, o ex-boiadeiro ainda ganhou quatro vezes na loteria, mas todos os prêmios foram baixos. “A última vez foi na Copa de 1998. Ganhei uns 6 mil reais. Deu para comprar dez bezerros”, lembra.
Assim como o goiano Miron, o comerciante Mário Ronconi, de Santa Tereza (ES), também conseguiu manter o dinheiro que ganhou em novembro de 1972. Os 14,1 milhões de cruzeiros (R$ 20,4 milhões) que recebeu na Loteria, Ronconi teve de dividir com mais 18 amigos, com quem havia feito um bolão. “Peguei o dinheiro e botei num fundo de investimento, no qual só pude resgatar seis meses depois da aplicação. O resultado foi que a inflação comeu metade do prêmio que eu tinha ganho”, lembra Ronconi, que na época tinha 22 anos.
Posto – Com o dinheiro na mão, o comerciante entrou numa sociedade em uma rede de supermercados. Seis meses depois, nova decepção. “Sai da sociedade e acabei comprando um posto, que tenho até hoje.
Atualmente, posso dizer que vivo bem financeiramente”, diz.
Mesma sorte não tiveram o despachante Eduardo Varela, o agricultor Antônio Donizeti, e o maquinista Jovino Viriato do Carmo e o baiano Francisco Portela. Os quatro acertaram os 13 pontos, ficaram ricos da noite para o dia, mas também perderam tudo. Varela, o Dudu da Loteca, ganhou em abril de 1972 cerca de 11,6 milhões de cruzeiros (R$ 18,2 milhões). Comprou casas, apartamentos – um deles na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, um dos endereços mais caros do País. Aos 23 anos, inexperiente, investiu em dois hotéis em Campos de Jordão (SP), que acabaram falindo.
“Ele não ficou pobre com essa falência, mas sim com a separação da mulher, que veio logo depois”, conta o advogado Hélio da Silva Nunes, que trabalhou para Varela no processo de falência. Segundo Nunes, o despachante colocou quase todos os imóveis, inclusive o da Vieira Souto, no nome do sogro. “Com a separação, ele perdeu tudo. Só ficou com duas salas no centro do Rio e um imóvel em Itaipava (região serrana do Rio)”, lembra o advogado, que viu Dudu da Loteca pela última vez há cinco anos. Na época, o ex-milionário trabalhava como funcionário de uma corretora de valores, no Rio.
Cartas – A história do agricultor Antônio Donizeti é parecida. Em julho de 1977, ele acertou na Loteria, faturando 16,1 milhões de cruzeiros (R$ 6,3 milhões). “O dinheiro foi embora em três anos. Gastei quase tudo com rapariga”, lembra Donizeti, que na época tinha 19 anos. “Recebi carta de mulheres do Brasil inteiro, querendo se casar comigo. Até hoje tem gente que me deve”, afirma Donizeti, que nunca saiu da pequena Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais. Hoje, ele tem um pequeno sítio, onde cultiva feijão e milho.
“Tiro uns R$ 500 por mês. Dá para viver”, conta.
O terceiro sortudo que acabou na miséria foi o maquinista Jovino Viriato do Carmos. Em agosto de 1970, ganhou 2,9 milhões (R$ 5,4 milhões). Jovino comprou uma fazenda em Vassouras, no Médio Paraíba fluminense. Com os anos, teve de vender a fazenda, para pagar dívidas e cuidar do filho, viciado em drogas. Morreu há oito anos.
A história do baiano Francisco Portela também teve final triste. Em abril de 74, ele recebeu da Loteria 14,7 milhões de cruzeiros (R$ 15,9 milhões). Na época, aplicou na construção imobiliária em Salvador. Assim como Dudu da Loteca, Portela faliu. Hoje, ele vive nos Estados Unidos, onde trabalha como funcionário em um escritório de contabilidade. “Assim como veio fácil, foi embora fácil”, define o agricultor Donizeti. Como no velho samba de Paulinho da Viola, dinheiro na mão é vendaval.
O Estado de São Paulo – SP – Murilo Fiúza de Melo

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